CAPÍTULO 10

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— Estas alegrias violentas têm fins violentos, falecendo no triunfo, como fogo e pólvora, que num beijo se consomem.

Levanto os olhos para ver Hardy segurando um livro de capa de couro vermelha, citando Shakespeare com diversão. Qualquer sombra de irritação se foi.

— Você tem bom gosto! — zombo.

Ele emite um som de desdém.

— É claro que tenho. Que tipo de comentário idiota foi esse?

O sorriso mais inocente dança nos meus lábios.

— Não resisti.

Eu o observo se sentar ao meu lado em silêncio, cruzando as pernas de um jeito que seu joelho toca o meu.

— Onde encontrou isso? — pergunto, apontando para o livro. — É uma edição muito bonita.

— Joseph me deu como pagamento por minha ajuda — esclarece.

Arfo, surpreendida. Joseph nunca me deu nada, nem um botão. Dar coisas de graça não é de seu feitio. Ele é uma raposa astuta para os negócios. Traidor.

— Eu ainda não tenho essa edição. Pode me dar? — Tento parecer a criatura mais angelical, esperando por sua resposta. Mas devo ter falhado miseravelmente, porque Hardy está piscando horrorizado.

— Você ficou aí sentada enquanto eu era escravizado e agora quer o fruto do meu suor?

Ele soa como se eu estivesse cometendo um terrível crime.

— Não seja dramático. Você nem vai ler. Além disso, ricos não costumam ter uma extensa biblioteca em casa? Daquelas que têm estantes tão longas e abarrotadas que precisam de escadas para subir porque a estatura humana é incapaz de alcançar o fim.

Meus olhos brilham e a boca seca só de imaginar.

Seria maravilhoso ter um paraíso particular em casa.

— Claro. Temos uma, embora eu ache o acervo meio medíocr...

— Deve ser fascinante! — O interrompo.

Nunca parei para pensar no quão rico Gregory Riviere é. Mais do que estimei pelo visto.

— Você pode me levar lá um dia? — peço sem pensar.

É como jogar lenha na fogueira. Os olhos de Hardy escurecem maliciosamente, e eu logo reconheço que foi um péssimo pedido.

— Sim. Podemos fazer um tour e você pode conhecer meu quarto. Pode ficar nele o tempo que quiser, aliás.

Fecho a cara.

— Esqueça o que eu disse. Vamos embora.

(...)

— Qual sua música favorita? — inquiro quando Hardy sai do acostamento.

Se tenho mesmo que conhecer todos os lados dele para elaborar meu relatório, eu o farei. Ainda que meu instinto vá contra essa ideia.

Ele está atento ao retrovisor quando responde:

— Quem em sã consciência tem uma música favorita?

A ideia parece absurda para ele.

— Eu tenho — refuto, assistindo os carros passarem por nós pela janela.

— E qual é? Não me diga que é alguma música clássica. Eu não ficaria surpreso.

Eu nego. Dificilmente ouço música clássica. E isso é ruim. As pessoas deveriam ouvir música clássica com frequência de acordo com uma centena de estudos da neurociência.

Contando Até DezOnde histórias criam vida. Descubra agora