Capítulo 80

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Anitta

Miami

À medida que o tempo passava, minha vida aos poucos se reconfigurava após o término com Gabriel. Agora, em minha residência em Miami, cada canto da casa carregava apenas vestígios de minha presença. No closet, minhas roupas coloridas e acessórios brilhantes ocupavam o espaço, enquanto um vazio silencioso testemunhava a ausência das peças masculinas que um dia compartilharam aquele espaço. No banheiro, os aromas familiares dos meus produtos de higiene e cuidados flutuavam no ar, marcando meu território sobre a pia impecavelmente organizada. No escritório, a mesa de madeira exibia apenas minha bagunça cuidadosamente organizada, com papéis espalhados e post-its coloridos adornando a superfície. Na área de serviço, os comedouros de Charlie e Plínio eram os únicos vestígios da presença canina, após a partida de Dom para sua nova casa. Era evidente que, além de mim, meus cachorros também sentiam a ausência do golden retriever e toda a sua energia contagiante que costumava encher a casa ao lado de Joaquim.
  Quanto ao meu filho, aos poucos ele começava a se acostumar com a nova dinâmica. Embora enfrentasse algumas dificuldades em assimilar e aceitar a separação dos pais, Joaquim mostrava uma resiliência surpreendente. No entanto, era inevitável que, de vez em quando, ele expressasse saudade do pai, perguntando com inocência quando Gabriel voltaria e deixando escapar algumas lágrimas de tristeza. Mas graças à proximidade entre nossas casas, ele tinha a oportunidade de passar tempo com seu pai de tempos em tempos, o que trazia um certo conforto para seu coração infantil.
  O tempo, mais uma vez, trouxe uma falsa sensação de calmaria àquela situação conturbada. À medida que os dias se desenrolavam, eu me via cada vez mais consumida pela saudade de Gabriel, mergulhada em um mar de confusão e ressentimento que ameaçava me desestabilizar. Tentava manter-me firme, concentrada em minha turnê e no meu trabalho, mas, inevitavelmente, meus pensamentos fraquejavam e minha determinação vacilava. A situação se tornou insuportável quando percebi a aparente indiferença de Gabriel, que parecia não se importar com a nossa separação. Esse comportamento dele só alimentava minhas inseguranças, reforçando que minhas suspeitas de que tudo era real, de que ele realmente ficou com a Beatriz e agora seria pai do filho dela.
  Após horas de uma exaustiva reunião, finalmente desliguei a chamada de vídeo e decidi buscar por Joaquim. Encontrei-o em seu quarto, completamente imerso em sua pintura, sentado serenamente em sua pequena cadeira. Um caloroso sorriso se espalhou pelo meu rosto ao vê-lo tão dedicado à sua arte, enquanto eu permanecia ali, apoiada no batente da porta, contemplando o momento com ternura.

- Opa! - Ele exclama quando seu lápis escapa de sua mão e rola até meus pés, um sorriso brincando em meus lábios ao vê-lo ali tão entretido. - Oi, mamãe. Você está aí.

- Oi, meu amor. -Respondo calorosamente, me abaixando para pegar o lápis azul e caminhando até ele para entregá-lo. - Está desenhando? - Ele confirma, retornando ao seu trabalho de pintura. - Que lindo!

- É o Sullivan. -Diz, sem perder o foco em sua arte, enquanto o observo com admiração.

- Daqui a pouco a Nina vai te levar para um passeio e depois é hora da escola. -Sinalizo, afastando delicadamente alguns fios finos de cabelo dos seus olhos.

- Não posso ver o papai? - Pergunta, interrompendo sua atividade para me encarar.

- Seu pai disse que precisava de um dia, pelo menos, para organizar as coisas na casa nova dele, filho.
- Explico, sentindo um aperto no peito ao ver sua expressão entristecida. -Mas amanhã ele vai ficar com você o dia todo, tá bom?

- Não gostei que o papai não está mais aqui, mamãe. -Joaquim confessa, cruzando os braços em uma postura desanimada. - Era mais legal quando ele morava aqui.

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