Prólogo

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Numa aldeia isolada do Alentejo, o Miguel, que tinha dez anos e vinha de uma família humilde, estava sentado no meio dos campos de trigo, debaixo da oliveira centenária da aldeia, existente desde os tempos de juventude do senhor António — a pessoa mais velha e respeitada —, a rabiscar no seu caderno com um pedaço de grafite, como costumava fazer todos os dias. Além de desenhar, gostava de andar de bicicleta, levar o gado a pastar e ajudar os pais nas suas rotinas diárias.

O calor que se fazia sentir era abrasador e seco, quase insuportável naquela época do ano. Mas ele já estava habituado, pois, vivia na aldeia desde que se conhecia. Gostava de rabiscar naquele caderno, os seus sonhos e aquilo que ia observando: as plantações de trigo e centeio, as pessoas, a natureza e as paisagens alentejanas. Era a única forma que tinha de descontrair, pois, não tinha com quem brincar. Era das poucas crianças que vivia na aldeia. A maioria dos habitantes eram idosos e o facto de os seus pais serem pobres, não o ajudava a fazer amigos. 

O Miguel achava que nenhum menino iria querer a sua amizade por ser pobre e por causa do seu aspeto desleixado. Como não podia tomar banho todos os dias e andava muitas vezes com o cabelo muito oleoso, costumava usar um chapéu amarelo, de palha. Às vezes os seus dedos das mãos eram o seu pente. Vestia uma roupa muito velha e desbotada porque os seus pais não tinham dinheiro para comprar roupa nova e calçava umas sapatilhas também muito velhas, cheias de buracos, roídas pelas traças.

Como brincava muito na rua e ao sol, a sua pele já era um pouco bronzeada, mas também era escurecida devido à sujidade. As unhas dele eram negras, fazendo lembrar as do seu pai, depois dos trabalhos de mecânica que realizava nas máquinas agrícolas ou na velha carrinha do senhor António. Não podia tomar banho todos os dias, pois não tinham água e a água que a mãe ia buscar ao chafariz já era escassa, por isso usavam-na só para beber e para cozinhar. Tomava uma vez por semana, quando a mãe conseguia que alguma vizinha lhe enchesse um alguidar com água quente para se lavarem. Infelizmente não tinham dinheiro para mais.

O seu maior sonho era ter muitos amigos. Procurava alguém que fosse especial e que ficasse para sempre, mas o seu sonho tardava em concretizar-se.

Já tinha deixado a escola, pois os seus pais não tinham dinheiro para lhe comprar os livros, por isso mal sabia ler ou escrever. Mas tinha aprendido sozinho a desenhar, pela necessidade que ele tinha de ter sempre com que se entreter. Sabia que tinha um talento inato para registar no papel os detalhes do que ia observando. Apesar de ainda ser criança, era bom observador. Todavia, os pais não gostavam que ele passasse o tempo todo agarrado àquele caderno velho, porque se distraía facilmente das tarefas que tinha para fazer.

Miguel desejava muitas vezes poder ter uma vida diferente da que tinha, sem dificuldades, mas estando os seus pais sem emprego, a vida não podia mudar muito. Restava-lhe aguentar, ser resiliente e ter alguma paciência.

Não sabia o que queria ser quando fosse grande. A mãe costumava dizer-lhe que ele ainda não tinha idade para pensar nisso. Agora era tempo de ser criança. Mas ele sabia que quando fosse crescido queria ter dinheiro para comprar uma mota para fazer viagens e uma máquina fotográfica. Eram os seus mais profundos desejos. 

Os pais do Miguel preocupavam-se imenso com o ar triste e solitário do filho. Sabiam que o Miguel não era feliz na aldeia porque queria muito uma vida melhor. Ele nunca tinha aceitado bem a vida humilde da sua família. Por ser filho único, e não ter outras crianças da idade dele para brincar e por ser uma criança muito sonhadora, que sempre desejou mudar de vida para concretizar os seus sonhos.

Lembravam-se bem que o Miguel era pouco falador. Preferia ficar sossegado no seu canto a desenhar ou a brincar com os seus brinquedos. Fechado no seu mundo. O facto de viverem numa aldeia isolada, onde não havia muitas crianças e de não terem dinheiro, fazia com que as vivências do Miguel fossem mais limitadas. Impossibilitava-o de ir à escola e de conviver com outras crianças. Ele andava sempre sozinho pela aldeia e às vezes até gostava daqueles seus passeios solitários que eram ótimos para pensar e apreciar a natureza. E fazia-se sempre acompanhar do caderno e do pequeno pedaço de grafite que tinham sido oferecidos pelo pai. Andava sempre com eles, uma vez que qualquer momento podia ser um bom momento para desenhar.

Ao Teu Lado - Quando o que nos une é maior que aquilo que nos separaOnde histórias criam vida. Descubra agora