Os desabafos de Miguel

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O Miguel estacionou a mota na garagem, entraram em casa, despiu o casaco de cabedal, pendurou-o no bengaleiro e dirigiu-se para o quarto. Pousou a carteira e as chaves na secretária e deitou-se em cima da cama com as mãos cruzadas atrás da cabeça. Precisava de pensar, de tentar processar o que tinha acontecido. Ainda parecia tudo demasiado surreal. Custava-lhe imenso a acreditar que ao fim de quase ano e meio de namoro, a Isabel o tivesse humilhado e agredido da forma como ela o tinha feito. Ele não conseguia aceitar, nem podia tê-lo permitido. Como é que nunca se tinha apercebido das mudanças na personalidade dela? Ele sabia que ela sempre tinha sido muito ciumenta, possessiva e controladora, porém nunca pensou que chegasse ao ponto de o humilhar e agredir física e psicologicamente.

Ele já tinha ouvido falar imenso da violência no namoro. Recentemente tinha havido uma palestra na escola sobre o assunto, por isso não era algo novo para ele. Todos os dias ele via na televisão testemunhos de pessoas que tinham sofrido de violência no namoro, mas viver a situação na primeira pessoa era diferente. Desde que tinha conhecido a Isabel que se tinha dedicado de alma e coração à relação. Gostava mesmo dela e o que sentia por ela era genuíno e sentido. Por isso nunca tinha imaginado que as coisas pudessem acabar daquela forma tão abrupta. Ele tinha a alma ferida e o coração despedaçado.

A Ana também se dirigiu para o quarto, pousou a mochila na cadeira da secretária e depois bateu à porta do quarto do Miguel, espreitando para dentro:

— Posso entrar?

— Podes, princesa — disse ele sorrindo levemente.

Ela entrou no quarto, fechou a porta e sentou-se na cama ao lado dele.

— Queres conversar?

Ele respondeu com um encolher de ombros.

— Como te sentes? — perguntou-lhe ela.

— Mais ou menos.

— Não fiques a remoer nisso, Miguel. Só te faz mal.

Ele sentou-se na cama, cruzou as pernas, olhou-a nos olhos e disse-lhe:

— Tens razão, princesa. Mas está a custar-me muito. Estou mesmo magoado e desiludido porque gostava bastante dela, compreendes? Não queria nada que isto tivesse acontecido: ter de ser obrigado a acabar o namoro. Porém ela não me deu outra hipótese. Não dava para aguentar mais.

A Ana colocou a mão sobre o braço dele e disse-lhe:

— Não faz sentido estares ao lado de uma pessoa que te humilha e te agride em público. Mesmo que gostes dela.

— Eu sei! Todavia não imaginas o quanto me está a custar. Inconscientemente, acho que continuo a gostar dela, independentemente de tudo o que me tenha feito.

— Isso é normal, já que ainda namoraram algum tempo e apesar de tudo, também houve momentos felizes.

— Bastantes. No início éramos tão felizes. Depois é que tudo se desmoronou — retorquiu ele, entristecido.

A Ana ficou de coração apertado perante a tristeza do Miguel e acrescentou:

— Desculpa. Nem sei que dizer...

— Percebo que nem sempre é fácil encontrar as palavras certas para este tipo de situações, pois são sempre muito complicadas. Por isso não precisas de dizer nada. Só o facto de estares aqui a ouvir-me mais uma vez e teres tanta paciência para mim já é muito importante.

— Já sabes que podes contar sempre comigo. Estarei sempre aqui para ti.

— Eu sei, Anocas — disse ele beijando-a na testa. — É inacreditável que a Isabel tenha feito todo aquele escândalo apenas porque nos viu a lanchar juntos. Mas qual é o problema disso? Dois amigos não podem estar juntos a lanchar? Nós já éramos amigos antes de ter começado a namorar com a Isabel, por isso não vou abdicar da nossa amizade e da nossa cumplicidade, dos nossos momentos juntos, de fazer planos contigo e de estar ao teu lado por causa dela. Não vou deixar que isso aconteça, pois não faz sentido para mim. Há alturas em que o amor e a amizade não se misturam. Não percebo a atitude dela. Não é justa, logo eu que fazia tudo por ela.

Ao Teu Lado - Quando o que nos une é maior que aquilo que nos separaOnde histórias criam vida. Descubra agora