Uns dias depois, o Miguel teve de ir à esquadra depor. Não queria nada ter de recordar tudo por que tinha passado. Sentia que ainda tinha passado pouco tempo e que ainda era tudo muito recente. Se pudesse esquecer tudo de uma vez por todas, não hesitaria. Porém, sabia que tinha de o fazer e o inspetor disse-lhe o mesmo, uma vez que era mesmo necessário fazer justiça. A situação pela qual tinha passado era muito grave e não podia ficar impune.
Na véspera ele teve imensas dificuldades em adormecer. Deu voltas e mais voltas na cama sem conseguir dormir. Ao amanhecer vestiu uns calções e uma t-shirt de manga curta. E foi dar uma corrida para aliviar a cabeça e a ansiedade. E quando ele regressou a casa já estavam a tomar o pequeno-almoço. Tomou um banho, vestiu-se e sentou-se à mesa. Não tinha fome. Sentia o estômago colado às costas, por isso comeu só um prato de cereais. Depois seguiram todos para a esquadra. O inspetor já os esperava, encaminhando-os para uma sala de paredes brancas com uma mesa retangular no centro. Sentou-se, ligou o computador e depois Miguel sentou-se à frente dele. Com a Ana ao seu lado de mãos dadas com ele. Antes de começarem o inspetor entregou ao Miguel o seu telemóvel, dado que já não precisavam dele e pediu-lhe que fizesse um esforço por se tentar lembrar do máximo de detalhes possível.
Miguel respirou fundo, engoliu em seco. E de imediato recuou àquela sexta-feira em que tinha combinado sair com os amigos. Depois de umas semanas intensas de aulas e de estudo. Falou do jantar com os amigos nas Docas, do surgimento da Isabel com um grupo de amigas e da insistência dela para saírem juntos. Recordou a discussão que tinham tido a caminho do salão de bowling. O quanto ela tinha ficado amuada por ele não aceitar reatar o namoro com ela. E a grande insistência dela para ir buscar as bebidas ao bar quando estavam na discoteca. Entretanto sentaram-se todos numa mesa a tomar as bebidas. Mas, pouco tempo depois, ele começou a sentir-se maldisposto, ficou pálido, com calor e a transpirar. E foi à casa de banho passar a cara por água. Recordou-se com alguma dificuldade, que quando estava na casa de banho tinha sido atacado por um homem magro, de cabelos compridos pelos ombros. Tinha conseguido ver o reflexo no espelho. Explicou que tentou a todo o custo defender-se. Porém o homem tapou-lhe o nariz e a boca com um pano e ele tinha acabado por perder os sentidos.
Depois o Miguel falou acerca dos primeiros momentos vividos em cativeiro no armazém. Cada pormenor era mais sórdido que o outro. Deixando-os bastante chocados e sem palavras para dizer. Parecia inacreditável que uma pessoa que dizia amar muito o Miguel lhe pudesse ter feito todas aquelas coisas. Levar a vida dele mesmo ao limite. O inspetor fez-lhe diversas perguntas, às quais ele respondeu sem hesitar. Apesar de já se mostrar muito tenso, acabando mesmo por sentir-se mal. Ficou muito pálido, indisposto e com suores frios, e a voz começou a falhar-lhe algumas vezes. Perante recordações tão dolorosas. Ele quase perdeu os sentidos. O inspetor foi rapidamente buscar-lhe um copo com água e açúcar. Ele descansou um pouco e ao sentir-se melhor, acompanhou a Ana até à rua para apanhar um pouco de ar e relaxar.
— Já te sentes melhor? — perguntou-lhe ela, visivelmente preocupada.
— Penso que sim! Que vergonha me ter sentido mal a ponto de quase desmaiar com esta idade. O que é que o inspetor terá ficado a pensar?
— Ele não terá pensado em nada. Os adultos também se sentem mal quando têm de lidar com emoções fortes. O organismo ressente-se e reage. Às vezes não é da melhor forma, mas são coisas que acontecem.
— Que vergonha! Devia ter-me aguentado. Não devia ter dado parte fraca.
— Ninguém tem de nos julgar por cedermos às emoções, já que não somos feitos de ferro. E o facto de teres tido coragem para pedires ajuda só mostrou o teu carácter humilde.
— Oh! Diz antes as minhas fraquezas.
— Então o mundo é todo feito de fraquezas, já que não há ninguém que não vacile de vez em quando. Acredita que estou muito orgulhosa de ti, da tua força e coragem para recordares todas aquelas coisas. Podes ter a certeza de que se estivesse no teu lugar não conseguia fazer isto como tu: com tanta garra. Sempre foste uma referência e um exemplo para mim.
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Ao Teu Lado - Quando o que nos une é maior que aquilo que nos separa
RomanceAna e Miguel conhecem-se, por acaso, enquanto crianças. Durante umas férias de verão, percebem que apesar das diferenças que os separam, têm muita coisa em comum e descobrem juntos a essência de uma amizade imaculada. Mas à medida que crescem, os do...