Uma separação que parecia improvável

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E o Natal era sempre a quadra festiva mais esperada do ano. A família Salgado gostava bastante do espírito natalício. E decorava sempre a quinta. Com a chegada do Miguel a tradição manteve-se. Aos poucos ele foi descobrindo o que era o espírito natalício, tal como o significado e sentido do Natal, que Miguel conhecia muito vagamente. Porque nunca tinha celebrado muito aquela quadra festiva quando era criança. Os pais não tinham possibilidades de comprar uma boa folha de bacalhau para o jantar da consoada ou peru para o dia de Natal e não havia dinheiro para presentes ou para decorarem a árvore de Natal, por isso não davam importância àquela quadra festiva. Era um dia normal como todos os outros.

Desde que Miguel fazia parte da família da Ana, que era sempre ele, a Ana, o João, a Sofia e o Gaspar que decoravam a árvore. Divertiam-se bastante a fazê-lo. Mas naquele ano a Ana não pôde estar presente. E Miguel chegou em cima da hora. Já nada era como dantes. Faltava aquela azáfama que todos juntos provocavam pela quinta. Até João, Sofia e Gaspar sentiram a falta dos cúmplices do costume e dos momentos que partilhavam juntos. O Miguel pegava sempre nas fitas de enfeitar a árvore e envolvia a Sofia que parecia uma princesa dos tempos modernos. Depois Miguel pegava nos diversos pingentes de Natal e pendurava-os na árvore. Os que iam sobrando: pendurava-os nas orelhas do João e do Gaspar. Era sempre uma festa. Miguel provocava grandes correrias na sala de estar e Ana ria-se à gargalhada.

No dia da consoada, após um jantar. Com muita gente à mesa, como era tradição. Sorrisos, conversas e partilha de várias histórias. Miguel levantou-se, agasalhou-se e encaminhou-se para o alpendre. Ela seguiu-lhe os passos e sentaram-se nas cadeiras de balançar. Estava uma noite fria, o ar cortava a pele. A chuva tinha abrandado. Ana e Miguel contemplavam a noite natalícia de mais um rigoroso inverno enquanto faziam conversa.

— Gostaste do jantar? — questionou-a Miguel sem saber muito bem o que dizer.

— Sim. Foi aconchegante e animado como sempre.

Ana não gostava daquela distância que sentia relativamente ao Miguel. Parecia que já não tinham assuntos para falar quando noutros tempos os assuntos surgiam sem nenhum esforço e sem precisarem de pensar, de apenas existirem meras palavras e serem obrigados a fazerem conversa como se eles fossem dois desconhecidos. Isso deixava-a mesmo triste e de coração partido perante o que o tempo tinha feito ao que tanto os unia. Não sabia o que dizer ou fazer. Pela primeira vez desde que se conheciam, apoderou-se deles um silêncio incomodativo.

— O que tens, princesa? — questionou ele apreensivo.

— Não tenho nada, meu amor.

— Estás com algum problema?

— Não. Comigo está tudo bem — respondeu tímida e comprometida, sorrindo levemente e tentando disfarçar o que lhe ia na alma.

— Tens mesmo a certeza?

— Sim. Não te preocupes! Não é nada de mais.

— Não sei se acredite — disse em tom de brincadeira, tentando quebrar o ambiente tenso que se fazia sentir entre os dois. — Andas triste. Nos últimos dias estiveste sempre calada.

— Não se passa mesmo nada de especial. A sério!

— Eu fico mais descansado. Já sabes que se tu estiveres com algum problema e precisares de ajuda, podes contar sempre comigo.

Ela olhou-o nos olhos e sorriu para ele.

— Desculpa, não queria nada preocupar-te. A verdade é que ando um pouco mais cansada e menos comunicativa. O curso tem exigido imenso de mim, obrigando-me a estar cada vez mais longe de ti e da minha família para aproveitar bem o tempo para estudar, não me dando muito espaço para respirar e descansar. E isso tem-me custado imenso — explicou-lhe a Ana sem saber muito bem o que dizer com os olhos marejados de lágrimas.

Ao Teu Lado - Quando o que nos une é maior que aquilo que nos separaOnde histórias criam vida. Descubra agora