O primeiro encontro com o Miguel

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Quando ia a passar por uma plantação de trigo, reparou num menino sentado sozinho debaixo da oliveira centenária da aldeia. O seu sorriso salientou logo as covinhas no seu rosto (herdadas do pai). Ficou muito eufórica com a possibilidade de ter finalmente com quem brincar. Seria o seu primeiro amigo desde que ela passava as férias na quinta dos avós. Apesar de se divertir muito com o avô, havia alturas em que preferia ter alguém da sua idade para brincar. O que só acontecia quando os primos: Sofia e Gaspar, também passavam férias na quinta com os pais. 

O avô já não podia correr atrás do Faísca ou brincar às escondidas e à apanhada por causa das artroses e os pais não gostavam muito de brincar com as Barbies ou de saltar ao elástico, apesar de às vezes o pai alinhar nas suas brincadeiras. Contudo, na maioria das vezes ela não tinha com quem brincar.

Como sempre fora muito curiosa, decidiu fazer um desvio. Atravessou os campos de trigo e pedalou até à oliveira para se aproximar um pouco mais do menino. Parecia solitário e era magro e franzino. Estava sentado numa pedra rodeada por ervas rasteiras, cabisbaixo e triste. Ana reparou que ele estava a usar um chapéu amarelo de palha na cabeça. Vestia uma t-shirt branca, rota e escurecida e uma calças azuis desbotadas. E calçava umas sapatilhas bastante gastas que faziam recordar os velhos trapos. Estavam cheias de buracos de várias dimensões — roídas pelas traças. Entretinha-se a riscar a terra com um pau velho. 

Chegou junto da oliveira, parou, desceu da bicicleta, encostou-a ao tronco e preparou-se para meter conversa com o menino. Ela era uma menina muito extrovertida, mas ele parecia não lhe querer prestar atenção, nem levantou a cabeça para olhar para ela. Continuou sentado e cabisbaixo a riscar a terra como se não fosse nada com ele. Contudo, ela era muito teimosa, não desistia facilmente daquilo que queria, por isso arriscou cumprimentá-lo. 

— Olá... — disse-lhe sorridente.

— O... olá — retorquiu ele hesitante, tímido e com voz trémula. Mantendo-se cabisbaixo e continuando ariscar a terra.

Ana não ficou satisfeita com aquela resposta. Pareceu-lhe ser um menino pouco sociável, por isso decidiu voltar a insistir com ele. Sentou-se ao lado dele, tentou espreitar para o rosto dele e depois perguntou-lhe:

— Como te chamas? Eu chamo-me Ana e vim passar as férias de verão à quinta dos meus avós. Fica aqui perto...

— Eu chamo-me Miguel — disse, constrangido olhando-a nos olhos.

Ela reparou que ele tinha uns olhos grandes, de um tom castanho-claro e expressivos.

— Porque é que estás assim tão triste?

— Porque sim... — replicou com um encolher de ombros, não adiantando mais nada.

— Não és muito falador, pois não? — perguntou-lhe.

— Sou um pouco tímido.

— Porque é que estás a usar essas roupas tão velhas?

O Miguel mostrou-se envergonhado e incomodado com a questão. Sem a conseguir olhar nos olhos, concluiu:

— Porque não tenho outras para vestir.

Ela ficou entristecida com o desabafo dele.

— Ah! — exclamou admirada. — Queres brincar?

Ele levantou-se da pedra onde estava sentado e disse de forma apressada:

— Acho que é melhor não brincarmos juntos. Desculpa, mas tenho de ir embora. Os meus pais estão à minha espera. Até outro dia.

E foi-se embora, deixando-a ali sozinha, à sombra da oliveira. Ela ficou triste e pensativa com a atitude dele. Logo ela, que era tão teimosa e que não desistia com facilidade das coisas. E não iria desistir que ele fosse seu amigo.

Ao Teu Lado - Quando o que nos une é maior que aquilo que nos separaOnde histórias criam vida. Descubra agora