2. Isabela: o início do fim.

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      Na foto: Isabela Pariassini.


                                                                              445 dias antes. 

Os olhos dele eram um verdadeiro enigma. Uma mistura de tristeza, fúria e, talvez, um pouco de arrependimento. Era estranho, porque há meses eu conhecia aqueles olhos tão bem. Eu podia decifrá-los numa pequena fração de segundos; bastava apenas olhá-los e eu saberia exatamente o que se eles queriam dizer. Mas naquele momento tudo o que eu via era um grande emaranhado de emoções. Talvez nem mesmo ele soubesse o que sentia, o que estava bem já que as últimas palavras saídas da minha boca foram: "Não dá mais".

A questão é: Não se termina um namoro sem uma razão plausível. Ao menos, era o que minha mãe insistia em me lembrar. Quando revelei a ela que o que eu sentia por Otávio, todo aquele amor intenso e aventureiro que havíamos vivido pelos últimos anos, havia acabado. "Mas assim, de uma hora pra outra?", ela me perguntou. Certamente que não. Tudo aquilo havia sido um processo gradativo que eu não havia notado acontecer. Essa era a resposta que eu dava a todos que, a partir daquele dia, começaram a me perguntar o motivo do fim do relacionamento.

Minha mãe foi uma das partes difíceis disso. Não somente por se sentir triste ao me ver terminando um relacionamento de tanto tempo, mas porque ela realmente havia se afeiçoado à Otávio. Eu via em seus olhos. A maneira como ela o recebia em nossa casa, as sobremesas deliciosas que preparava quando ele aparecia... Ela realmente gostava dele. E por mais que ela me dissesse "Está tudo bem, filha. Essas coisas acontecem.", eu via em seus olhos que ela não acreditava nisso de verdade.

Otávio continuou parado, sentado em minha cama. Percebi que, subitamente, sua mão havia se afastado da minha. Seus olhos observavam todo e qualquer objeto que pudesse existir no meu quarto. Pelo visto, contentavam-se em observar qualquer coisa pouco interessante, desde que não fosse a mim.

Vinte minutos haviam se passado e até agora nenhuma palavra. Notei seus dedos tocando seu relógio Rolex recém-ganhado de aniversário, dois dias atrás. Talvez o pior aniversário da sua vida. Não me achem presunçosa por dizer isso, mas passar duas horas discutindo com a namorada é uma maneira terrível de se comemorar os seus dezessete anos.

Eu havia dado aquele relógio a ele. Havia embrulhado numa caixinha verde com um laço de fitas dourado e, dentro, posto um bilhete que dizia "Com amor". Ele deveria saber que aquilo não era sincero. Deveria saber que eu odeio laços de fitas dourados e que eu nunca escrevo bilhetes com menos de dez palavras. Deveria saber que meus abraços não demoram menos de cinco segundos, que eu nunca aviso quando vou chegar, que eu sempre esqueço minha jaqueta no porta-casacos atrás da sua porta. Ele deveria saber tudo isso. Mas talvez soubesse e apenas não quisesse acreditar. Talvez ele soubesse o tempo todo que aquilo iria acontecer.

Agora ele começou a olhar pros próprios pés. Eram enormes. Dez números maiores do que eu usava. Era difícil esquecer o seu sorriso ao ver meus pés, pequenos e miúdos, enfiados em suas chinelas gigantes quando eu não sabia onde meus sapatos estavam. Será que tudo que eu visse a partir dali me faria lembrar dele? Me faria lembrar que eu conheci o cara com todos os requisitos para ser o homem da minha vida e havia falhado na única missão me dada que era amá-lo?

Foi então que eu vi uma lágrima escorrer pelo seu rosto. Uma lágrima grande e solitária, deixando uma marca esbranquiçada no percurso percorrido em sua bochecha. Senti meu coração se partir. Quase literalmente. Eu queria abraça-lo, beijar seus lábios desesperadamente e pedir um pouco de tempo, dizer que eu poderia amá-lo, que ele era muito bom pra mim e que seríamos felizes. Era o que eu queria, mas não podia. Não quando meu coração exigia o contrário.

Eu, você e o tempo entre nósOnde histórias criam vida. Descubra agora