20. Dor (Por Isabela).

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Naquele dia, mais cedo, mamãe havia me acordado com um solavanco. Geralmente, ela me acordava um empurrãozinho carinhoso ou um beijinho na testa, mas aquela já era a décima vez que ela tentava me acordar. Era um dia de domingo, daqueles dias preguiçosos que sua única e maior vontade é permanecer pela cama até a Lua voltar a iluminar a noite.

─Anda, Isabela. – Ela deu a volta na cama, recolheu algumas roupas largadas no chão e colocou tudo no cesto de roupa suja. Parou de braços cruzados em minha frente. – Será que vai ser preciso jogar um balde de água na sua cabeça pra você se levantar dessa cama?

Cobri meu rosto com o edredom.

─Eu não tenho aula hoje, mãe.

─A Carol vai passar aqui, esqueceu?

─A Carol pode esperar eu acordar.

─Nada disso. E você precisa olhar sua irmã. Tenho uma reunião na empresa e só Deusa sabe a hora que vou sair de lá.

Aquilo me despertou. Joguei o edredom para o lado e me sentei na cama.

─Ah, mãe. Eu tenho aquela festa que te falei, não lembra?

Ela suspirou.

─É, eu lembro. Renato cuida dela então. Mesmo assim, acorde. Tenho uma pia cheia de pratos e um armário cheio de teias-de-aranha esperando por você.

─Que ótimo incentivo pra iniciar o dia com o pé direito.

─Vá se acostumando. – Ela deu um beijo no topo da minha cabeça. – Agora tenho que ir. Juízo na vida. Cuidado nessa festa. Não faça nada que eu não faria. Mamãe te ama!

Nem tive tempo de responder porque ela saiu voando pela porta. Me joguei novamente na cama e nem preocupei em dizer a minha mãe que eu também a amava. Não a prometi que iria cuidar das coisas, que iria cuidar de minha irmã, que teria cuidado na festa. Minha mãe foi embora sem ter a certeza de que eu faria tudo o que tinha sido orientada a fazer. Por que só então aquilo estava me perturbando?

Papai estava sentado à minha frente. Ao meu lado, estava Renato com um braço sobre meu ombro. Por trás dele, Otávio segurava Elis no braço. Ela estava inquieta, chorava sem parar. Minha irmã não era assim. Meu irmão também não era assim, por que ele estava me abraçando? Meu pai nunca chorava, então por que uma lágrima descia pelo seu rosto? O que estava acontecendo?

Após um segundo de confusão, a certeza da realidade me atingindo com a força de um meteoro: mamãe estava morta. Eu sabia porque eu também estava chorando. Porque, há minutos atrás, eu estava gritando desesperada. Me negava a acreditar que aquilo era verdade, que aquilo poderia ter acontecido com a minha mãe, que há poucas horas estava tão saudável. Mas era verdade. A mais pura e destruidora verdade.

Eu gritei, andei pela casa com as mãos levadas à cabeça, me neguei a acreditar que aquilo é verdade e chorei, chorei enquanto gritava, enquanto falava, cada compasso da minha respiração era acompanhada de uma lágrima. Foi então que o choro cessou e eu me apoiei no canto da parede. Meu corpo foi enfraquecendo lentamente, até que eu me vi sentada ao chão. Eu podia ver Carol chorando e tentando disfarçar; mas ela tinha uma coisa com as sobrancelhas que a entregavam quando estava triste. As lágrimas já haviam deixado manchas esbranquiçadas pelo seu rosto. E, ao seu lado, Otávio permanecia de cabeça baixa. Segurava Elis com cuidado e não ousava olhar para mim. Se olhasse, pecaria em fraqueza. Não queria que eu o visse chorando. Ver minha situação já era preocupante o suficiente.

Agora meu pai e meu irmão estavam à minha frente. Renato ainda segurava a minha mãe e meu pai parecia tão devastado que me doía o coração em olhá-lo. O que seria de nós dali pra frente? O que seria de nossas vidas sem a mulher que significava tudo para todos nós? O que seria de mim sem minha mãe? O que seria de Elis, que ainda era um bebezinho? Senti as lágrimas voltando a cair pelo meu resto.

Eu, você e o tempo entre nósOnde histórias criam vida. Descubra agora