24. Natal (Por Isabela).

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                                                                         Um ano depois

          Era como se estivéssemos num daqueles filmes sobre natal em família. Enquanto eu corria para tirar a torta do forno, as crianças corriam pela casa e o pai lia jornal sentado na poltrona da sala. Era véspera de natal e minha correria se justificava pelo fato de que Carolina, finalmente, viria me visitar. Não apenas ela, mas viria também uma amiga de papai(usamos a palavra amiga porque ele insiste que ainda é cedo para se relacionar com uma mulher. Claro que o respeitamos e eu, particularmente, admiro sua compostura. Apesar dos dois anos que se sucederam à morte de mamãe, ainda sentíamos muito sua falta e se papai achava melhor esperar mais um pouco, o apoiaríamos. O nome da mulher era Angélica e era muito simpática. Tinha cerca de quarenta e cinco anos, cabelos tão escuros quanto os meus e uma pele muito bem conservada. Era formada em Direito pela USP e acabara de voltar de um mestrado na França. Se eu fosse escolher alguém para papai, certamente escolheria ela.

Mesmo com o tempo que havia passado, Renato não concordava com o fato de papai estar – quase – namorando. Eu o entendia porque uma parte de mim nunca se acostumaria em vê-lo sorrindo ao lado de outra mulher que não fosse mamãe. Por outro lado, Angélica poderia fazê-lo muito feliz e isso me confortava. Se ele estivesse feliz, nossa família conseguiria prosseguir feliz.

Usei a palavra criança no plural porque Elis não era a única pestinha que estava correndo pela casa. Angélica era mãe de dois anjinhos que de angelicais não tinham nada. Enzo tinha oito anos e Antônio, quatro. Além dos dois, também mais três filhos. Francisco tinha acabado de completar vinte e três anos e estava cursando a faculdade de Geologia em Lisboa. Eu sabia disso da mesma forma como sabia que ele tinha uma namorada italiana, que era fluente em quatro idiomas (que incluía Latim), era fã do Ford Copolla e sonhava em morar na região amazônica. Grande parte das conversas entre Angélica e eu era um monólogo dela sobre o filho de quem tinha tanto orgulho. Só que a lista de filhos não pára por aí.

Antes de Francisco, ainda tem Mariana, que tem dezoito anos e mora com o pai em Curitiba. É estudante de Jornalismo e visita a mãe e os irmãos semestralmente. Tudo o que sei sobre ela é que é tão bonita quanto a Scarlett Johansson e que está pra se casar com um CEO de uma empresa.

Pra completar a equação dos filhos, terminamos com o elemento mais importante: César. O filho mais velho. Vinte e cinco anos, Relações Públicas de uma transportadora de alimentos, um metro e oitenta de altura e um sorriso capaz de derreter geleiras. Talvez não tenha ficado claro, mas é meu namorado. Carol não era a única que se preocupava com minha ausência de vida social. Papai já estava se preocupando de verdade. Foi quando falou sobre o filho interessante de uma amiga que conhecia. Saímos em um encontro duplo e terminei o jantar com a barriga cheia e a certeza de que aquele era o primeiro encontro de muitos.

Havia quatro meses que estávamos namorando e aquele era nosso primeiro natal juntos. Isso explica mais especificamente minha neurose em manter tudo em controle – casa, comida, crianças, barulho de crianças, bagunça de crianças... Tudo tinha que sair perfeito.

Já eram quase seis horas da noite, o que significava que a qualquer momento Carol iria chegar. Seu voo tinha sido marcado para chegar ao Rio às três da tarde, mas numa conexão em Guarulhos, houve um pequeno atraso de duas horas e meia. Insisti em busca-la no aeroporto, mas ela implorou para que eu não fizesse, resmungando o quanto aquilo era brega e que preferia chegar ao apartamento sozinha.

Tirei a torta do forno e coloquei sobre a mesa junto ao peru recheado, o purê de batatas e o arroz com ervilhas – minha especialidade. Assim que olhei, satisfeita, para o que havia preparado, notei que César havia chegado.

Eu, você e o tempo entre nósOnde histórias criam vida. Descubra agora