Dizem que a dor é a maior inspiração para os artistas. Por mais que a felicidade seja motivo de busca incessante para tantas pessoas, nenhuma obro causa tanta comoção quando uma dirigida sob a dor. Uma perda, um arrependimento, uma mágoa, uma ilusão. As pessoas prestigiam porque se identificam. A triste za também é um meio de comunicação entre os seres humanos.
Esse tipo de coisa sempre me atraiu. Praticamente desde os meus 13 anos quando li um poema de Charles Bukowski pela primeira vez. Era um poema sobre um pássaro azul. A principio, soava para mim com a simples história de um pássaro que se ressentia em ser livre. Demorei um pouco para concluir que o significado era um pouco além disso. Passei a considerar que o pássaro azul era aquilo que o poeta se restringia em expor seus sentimentos mais íntimos, suas verdadeiras emoções. Depois disso, passei a ter uma nova perspectiva da poesia e da arte. Se meus sentimentos estavam vívidos – por mais melancólicos que fossem – por que eu deveria mantê-los presos, se havia um mundo inteiro preparado para ler minhas angústias e compartilhar essas emoções? Por que manter meu pássaro azul engaiolado?
A partir disso, não parei de escrever. A única pessoa que tinha conhecimento disso era Carol, que uma vez ou outra lia meus escritos. Em geral, não era nada tão complexo, muito longe da genialidade de Bukowski. Era apenas o relato de uma pessoa que nunca havia se conectado com o amor. Várias tentativas em vão e uma única certeza: eu não tinha sido feita para o amor.
Carol achava aquilo uma bobagem. Dizia que eu apenas não tinha encontrado a pessoa certa e que todo esse drama era resultado dos hormônios adolescentes. Talvez fosse verdade. Talvez fosse uma das inúmeras desculpas que encontrávamos para nos contentar com a realidade que nos assombra.
Após o fim do namoro com Otávio, entrei no meu maior processo criativo. Escrevia durante as manhãs, as tardes, as noites e as madrugadas. Escrevia enquanto comia; escrevia durante as aulas; escrevia na sala de estar quando a família estava reunida num dos domingos em que papai estava em casa. Se eu tivesse um lápis e um pedaço de papel por perto, eu escrevia.
Havia muitas coisas em meu coração que não haviam sido ditas. E por mais que fossem, não seriam compreendidas, nem mesmo por Carol. Eu sentia que precisava coloca-las para fora, deixar o mundo saber que eu não era uma pessoa horrível e que nunca foi minha intenção machucar alguém. Eu tinha essa necessidade, mas não podia sair falando para todo mundo sobre minhas intimidades. Meu pássaro azul não estava pronto pra esse tipo de liberdade. Foi a partir daí que comecei a escrever as cartas.
Eu sentia que tinha muito a explicar a Otávio, mas não o podia fazer. Ver-me era, provavelmente, a última coisa que ele desejava naquele momento e eu tinha absoluta certeza de que tê-lo em minha frente faria minha língua enrolar, meu rosto exceder em suor e as palavras continuariam presas em minha garganta e minha mente.
A maneira que eu encontrei para expor essa tormenta foi simples. Comecei a escrever e-mails que nunca foram enviados. Sempre que algo vinha à minha mente, eu corria para transformar em palavras e, logo em seguida, o texto seguia para a caixa de Rascunhos.
Nunca enviei nenhuma carta e não tinha coragem pra isso. Há uns meses, quando eu estava no Rio de Janeiro, devo admitir que a ideia me persuadia, mas havia um senso de razão em minha mente que me obrigava a deixar as coisas como estavam. Ele no canto dele. Eu no meu.
Embora ainda tivéssemos nossas diferenças, estávamos contornando melhor a situação. No aniversário das gêmeas, por exemplo, conseguimos conversar sem deixar espaço para aqueles minutos de um silêncio embaraçoso. Até me lembrou de nossas conversas antigas.
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Eu, você e o tempo entre nós
Novela JuvenilOs romances vitorianos só existem na literatura e Isabela tinha plena convicção disso. Ponto. Ao menos era o que achava ao pôr um ponto final em seu namoro com Otávio, após dois anos de um relacionamento que passeou por uma montanha-russa de emoções...