─Vai precisar de carona hoje? – Mamãe estava vestindo seu novo terninho de linho púrpura, o que eu havia ajudado a escolher uns dias atrás. Era seu primeiro dia de trabalho numa representante nacional de uma companhia de cosméticos americana. Embora o salário de papai fosse o suficiente para vivermos confortavelmente, ela não conseguia ficar parada. Tinha trabalhado para uma empresa de advocacia quando estivemos em Búzios e, antes disso, atuava independentemente. Apesar de gostar de sua independência profissional, reclamava o tempo todo de que aquilo ainda não era o que queria. Foi quando surgiu essa oportunidade de emprego e ela agarrou com as duas mãos. Papai não podia estar mais orgulhoso e eu ficava feliz por ela estar feliz.
─Pedi pra Carol passar aqui. Você não vai querer se atrasar pro seu primeiro dia.
Ela sorriu.
─Seria inconveniente, é verdade. Mas não é um problema pra mim. – Ela tirou Elis de sua cadeirinha e a colocou no chão. – Pegue sua mochila, querida.
Enquanto Elis corria de animação por estar indo à escola, Renato chegava à cozinha com a animação de um pirata prestes a caminhar pela prancha. Seu cabelo, que era todo encaracolado, assim como o meu, estava uma bagunça. Provavelmente não via um pente há dias. Aquela era o terceiro dia consecutivo que ele vestia aquela camisa amarela e eu, sinceramente, começava a me questionar há quanto tempo ele não tomava um banho.
Mamãe também notou sua aparência.
─Filho, você está horrível.
─Nada melhor do que um elogio de mãe.
─Troca essa camisa e penteia esse cabelo.
─Ele está com essa camisa há tanto tempo que quando ele a tirar ela vai possuir forma humana.
─Quer falar sobre coisas horríveis, é? Que tal começarmos falando sobre sua cara?
─Não comecem vocês dois. Bela, você já terminou de comer. Ajude sua irmã e a coloque no carro. – E ela virou-se para Renato. Pela expressão engraçada em seu rosto não fui a única a notar o cheiro desagradável. – Querido, você tomou banho?
Carolina já tinha dezoito anos e, por isso, sua mãe permitia que dirigisse o Volkswagen antigo da família. Não era nada glamoroso, mas ajudava e muito. Era quem nos levava para festas, que nos ajudava a fugir do guarda da quadra da escola quando a invadíamos durante à noite e éramos flagradas. Era uma banheira útil.
A mãe de Carol trabalhava cuidando de algumas crianças do bairro durante o horário de trabalho dos pais. Devido a isso, quase nunca saía de casa. Exceto quando ia ao mercado, à igreja aos domingos e coisas desse tipo. Acredite ou não, eles iam à igreja. Talvez para compensar os milhares de palavrões e xingamentos que diziam um ao outro durante a semana. Carol era um tipo do que se chama de agnóstica, mas enquanto convivesse com a excentricidade de sua mãe, teria que seguir a religião que ela impusesse.
Por intermédio divino – ou dos cosmos, como Carol diria – ela não tinha irmã. Na casa, era apenas ela, a mãe excêntrica e uma avó meio maluquinha que conversava com plantas e pássaros. Nós a chamávamos de Branca de Neve, embora ela pensasse que isso é um xingamento. E então ela começa a gritar com a gente por estarmos tirando sarro dela. Carolina revida gritando. A mãe entra na "conversa" e começa a gritar com Carol por estar gritando com a avó. É sempre nessa parte que eu saio de fininho. Além dessas três personalidades peculiares, têm as crianças. Nunca demorei o nome de nenhuma porque sempre que vou até lá tem uma carinha nova. Por mais maluco que pareça, são umas dez crianças. Tudo bem que a mãe de Carol seja um pouco maluquinha. Com esse tanto de criança pela casa, quem não seria?
O estacionamento da escola era muito pequeno. Metade das vagas era reservada para os professores e, como chegávamos atrasadas todos os dias, ficávamos sem lugar para estacionar. A única solução era roubar a vaga do Professor Patrocínio, que também não se esforçava muito para chegar à escola pontualmente. Ele já tinha uns sessenta anos – ou talvez mais – e sempre que percebia que sua vaga havia sido roubada, deixava um bilhetinho no para-brisas do nosso cara que dizia "Este lugar é reservado. Pratique a leitura. Passar bem". Carol tinha uma caixinha em seu quarto com todos os bilhetes que ele já deixara. Disse que ia guarda-los para dá-lo de presente em sua despedida, quando ele se aposentasse.
Deixamos o carro no estacionamento e seguimos juntas até a entrada da escola. Foram precisos apenas alguns passos e dei de cara com os dois casais mais queridos da escola. Ao me ver, o sorriso de Otávio desvaneceu instantaneamente. Olívia fez um sinal simpático e, aparentemente, Bruna sentiu-se um pouco incomodada. Vindo como um sinal dos céus, o sinal tocou. Salva pelo gongo, pensei.
─Vamos. – Carol puxou meu braço para a direção oposta. – Pensei que já tivesse superado isso.
─Eu superei. – Menti. Na verdade, eu pensava que tinha superado, mas continuava a ser estranho sempre que eu o via; e depois que começou a namorar com Bruna, esse sentimento ruim tornou-se ainda maior. – Mas é estranho vê-lo todos os dias.
─Eu sei. – Carol suspirou. – Não gosto dessa garota. Alguma coisa nela é falsa pra mim.
─Será que é o fato de ela ser a nova namorada do ex da sua melhor amiga?
Ela deu de ombros.
─Talvez. Mas nunca fui a maior fã dela.
─Bruna é uma garota legal. – O que era verdade. Havíamos estudado juntas antes de minha viagem à Búzios e algumas vezes fizemos trabalho em grupo juntas. Eu sabia que ela tinha vindo do Maranhão e que tinha uma família simples. É o tipo de pessoa que você começa a gostar desde a primeira conversa. Eu não tinha nenhum motivo para odiá-la, mesmo sendo ela a nova namorada de Otávio.
─Se você acha. – Apesar de já ter tocado o toque que indicava a primeira aula, nós fomos até o banheiro – o que fazíamos todos os dias. Por mais que se considerasse uma garota completamente fora dos padrões, Carol sempre retocava o batom entre uma aula e outra, e eu também gostava de dar uma olhada no espelho, tentar deixar meu cabelo mais apresentável.
─Tenho que admitir – ela disse enquanto pintava os lábios de rosa fúcsia – que você está lidando muito bem com tudo isso. Não sei se eu saberia como agir.
─Valeu. Não está sendo fácil, mas estou tentando de verdade.
Ela passou o batom pra mim e eu resolvi usá-lo também.
─Falei com João ontem.
─O cara de Búzios?
─Ele mesmo.
─E aí?
Dei de ombros.
─Ele parece bem.
─Perguntou a ele por que toda essa demora pra ligar pra você?
─Achei melhor não. O importante foi ele ter ligado. Só fiquei preocupada.
─Caramba, garota, sua vida amorosa está mais agitada do que a da Taylor Swift!
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Eu, você e o tempo entre nós
Ficção AdolescenteOs romances vitorianos só existem na literatura e Isabela tinha plena convicção disso. Ponto. Ao menos era o que achava ao pôr um ponto final em seu namoro com Otávio, após dois anos de um relacionamento que passeou por uma montanha-russa de emoções...