Na manhã seguinte ao acontecido na Casa de Repouso, o sol apareceu com um pouco de timidez. As persianas da janela do quarto estavam abertas, de forma que o vento me envolvia facilmente. Eu poderia tentar voltar a dormir, mas eu duvidava que os raios de sol, mesmo não tão intensos, me permitissem.
Olhei para o lado e notei o lugar de Laís vazio. Não era estranho, já que até mesmo aos fins de semana, ela acordava cedo e ia cultivar suas flores na estufa. Essa tinha sido um dos únicos pedidos quanto decidimos construir nossa casa: a estufa. Claro que o orçamento ficou um pouco mais apertado, mas ela desejava aquilo com um brilho tão intenso nos olhos que seria impossível pra mim dizer um não.
Ainda com preguiça, me levantei da cama e calcei minhas sandálias. Passei pela cozinha e senti o aroma de café recém-feito, mas fui direto para a estufa. Ao entrar, lá estava ela, podando suas margaridas.
Caminhei até onde estava e dei um beijo no topo de sua cabeça. Ela virou-se para mim e sorriu.
─Bom dia.
─Bom dia. – Eu respondi. – Acordou cedo hoje, hein?
─Não dormi muito bem.
Minhas pernas se enrijeceram naturalmente. Será que ela havia acordado no meio da noite e notado que eu não estava lá? Mas se o fez, por que não estava gritando comigo e jogando coisas em minha direção? Laís era a personificação da calmaria, mas será que isso continuaria se ela soubesse que eu havia me encontrado com Isabela na noite anterior?
─Dor de cabeça? – Perguntei, ao que ela assentiu.
─Sim.
─E está melhor agora?
Mais uma vez, ela ergueu o canto dos lábios em um sorriso.
─Estou. Fiz café.
─Estou indo lá agora mesmo.
Dei as costas para ela e virei-me para a porta da estufa. Precisava de um pouco de café para me acordar definitivamente. Era meu ritual matinal. Eu só acordava de verdade depois de enviar uma dose do efeito da cafeína pro meu cérebro.
─Otávio.
Meu pé já estava no lado de fora da estufa quando ela chamou meu nome. Virei-me para ela, instigado. Seus olhos eram uma mistura de confusão e tristeza. Aquele sorriso de poucos segundos atrás havia desaparecido. No fundo do meu interior, eu sabia que algo não estava certo.
─Você a ama? –Ela perguntou, e nem precisou dizer a quem se referia porque aquilo estava subentendido. Ela estava falando sobre Isabela. E, ao ouvir aquela pergunta, eu soube instantaneamente que Laís sabia de tudo.
─O quê?
─Isabela. Você a ama?
Engoli seco. Havia uma resposta para aquilo? Há dez anos eu saberia responde-la sem hesitar, mas agora... agora tudo não passava de um amontoado de confusões.
─Por que essa pergunta agora?
Ela soltou um sorriso triste, da forma que fazia quando não queria chorar. Seu escudo, embora transpusesse da mesma forma o que sentia.
─Eu sei que você foi encontra-la, Otávio. – Ela disse e eu percebi o quanto aquelas palavras lhe machucavam. – Assim como sei sobre o Rio de Janeiro.
Por aquilo eu não esperava. Eu era o vilão da história, mas meu coração sentia-se num esconderijo sem saídas. Não havia nada que eu pudesse dizer para me defender porque não havia defesa para aquilo. Eu sabia que tinha sido um idiota, que eu era um idiota, então o que fazer ou dizer quando você sabe que nenhuma palavra vai diminuir os estragos e danos que você causou?
─Como...?
─Eu vi quando você veio do quarto dela. – Revelou. – Estava escuro, mas consegui ver.
─Por que não disse nada?
─Porque não havia nada pra ser dito. – Ela deu de ombros. – Eu sabia que você ainda a amava, mas vocês só se viriam durante aqueles dias, depois nós voltaríamos para Brasília e tudo voltaria ao normal. Ou ao menos foi o que eu pensei.
Aquelas palavras eram como estardalhaços de vidros sobre meus olhos e isso porque eu sabia o quanto Laís havia sofrido e estava sofrendo e tudo por minha casa. Eu me sentia o homem mais estúpido e idiota do universo, e talvez eu realmente fosse. Era a única explicação pra tudo o que acontecia.
─Laís, eu...
─Eu também te trai, Otávio. – Ela falou. – Muitas vezes.
E então o chão se abriu sob meus pés. Laís havia me traído? Então minhas suposições de alguns meses atrás estava correta? Como isso tinha passado despercebido por mim?
Ela ainda não tinha terminado de falar.
─A diferença entre nós dois é que nenhuma das vezes significou alguma coisa pra mim, porque sempre que estava com outra pessoa era em você que eu estava pensando. Eu me perguntei por muito tempo qual era o meu problema. Por que eu não conseguia ficar com outra pessoa se você fazia isso com tanta facilidade? E foi então que eu percebi que o problema está em você e não em mim. Eu não sou uma traidora. Você é. Essa é a diferença entre nós dois.
Não havia ódio em sua voz, mas eu me sentia muito próximo à um vulcão em erupção. Só que eu sabia que esse vulcão nunca explodiria, porque ele era formado mais por tristeza do que por ódio. Eu era tão inútil que nem para ser atingido por um vulcão eu servia.
─Eu estou indo para a casa dos meus avós em Curitiba. Preciso de um tempo para pensar. – Ela disse. – Pegue a sua passagem pra Bonito e viaje com Mateus. Você também precisa de um tempo.
─Laís, eu...
Ela levantou-se do seu banquinho e pensei que ela fosse dar uma tapa em meu rosto, mas ao invés disso, pressionou seus lábios contra os meus. Quando se afastou, sorria tristemente. E aquilo era o maior golpe que ela podia dar em mim.
─Eu não te odeio, Otávio. Eu queria odiar porque tudo seria muito mais fácil, mas não odeio. Talvez esse seja o meu problema. Eu te amo demais pra ficar feliz em te ver triste.
Ela passou a mão em meu rosto e foi embora. Fiquei parado ali, na estufa, ouvindo o som das chaves balançando em suas mãos, da porta se fechando ao ela sair, do carro sendo ligado, dos rastros que os pneus deixaram quando ela foi embora... Não havia nada que eu pudesse fazer, porque por mais que eu amasse Laís, eu nunca seria inteiramente dela. E isso era o suficiente para me tornar impotente. Era o suficiente para me destruir.
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Eu, você e o tempo entre nós
Teen FictionOs romances vitorianos só existem na literatura e Isabela tinha plena convicção disso. Ponto. Ao menos era o que achava ao pôr um ponto final em seu namoro com Otávio, após dois anos de um relacionamento que passeou por uma montanha-russa de emoções...