15. Formatura - Parte I (Por Otávio).

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            Era difícil acreditar que após tanto tempo aquele dia havia chegado. O dia da formatura. O dia da transição. Quando você muda no nível de estudante colegial complicado para o nível de universitário complicado. As confusões e loucuras da sua vida irão continuar lá, com a diferença de um cenário diferente. Ao invés de adolescentes muito maquiados e selfies por todos os lados, temos olheiras e bocejos. Os mesmos problemas em situações diferentes.

Eu havia me atormentado com aquele momento desde que terminei o ensino fundamental. Felizmente, não tive pressão por parte da minha mãe, mas a pressão que eu colocava sobre eu mesmo era suficiente para enlouquecer. Nunca exigi de mim nada além do que eu fosse capaz de fazer e, para mim, aquela situação não era diferente.

Minha nota no Exame Nacional do Ensino Médio havia sido maior do que eu esperava. Eu estava confiante que passaria no curso de Jornalismo da Universidade de Brasília, o que eu queria desde o primeiro ano. A nota de Mateus foi ainda maior do que a minha, o que significava que passaríamos mais algum tempo juntos. Eu ainda não sabia o que ele iria cursar, por mais vergonhoso que isso possa ser pra um melhor amigo. A questão é que eu acho que nem ele sabe o que quer cursar.

Agora era esperar a universidade disponibilizar a lista de convocação. Se meu nome não estivesse, meus planos iriam por água a baixo e eu precisaria de uma saída de escape – o que ainda não havia pensado. Talvez eu tentasse um emprego no shopping e continuasse estudando até a prova do ano seguinte. Uma hora ou outra eu teriaque conseguir, nem se já tiver passado dos 50 anos.

Quanto à formatura: eu estava animado por incrível que pareça. Minha mãe comprou um terno branco que mais parece uma farda de marinheiro e também uma gravata borboleta. Era ridículo. E ela chorava toda vez que eu provava, dizia que eu estava pronto para um casamento. Se tivesse uma madeira ali por perto, eu bateria três vezes. As coisas com Bruna haviam evoluído, mas ainda era muito – muito – cedo para falar sobre casamento. Um passo de cada vez.

Falando sobre Bruna, ela mudou bastante desde o acontecido no aniversário das gêmeas. Levou dois dias para que respondesse minhas mensagens, mas desde que o fez, não nos separamos. Voltamos àquele clima de felicidade e mundo com unicórnios de início de relacionamento, por mais que eu não me sentisse muito à vontade.

O nome de Isabela não foi citado nenhuma vez. Num momento ela falou que estava pensando em prestar mais um período de serviço voluntário na casa de repouso, já que pretendia cursar Enfermagem na faculdade. Falei que era uma ótima ideia e já estava prestes a sugerir que ela falasse com Bela, quando no último segundo troquei o nome por "Paloma". Ela sorriu normalmente e pareceu não notar o que havia acontecido. Se notou, disfarçou muito bem.

Eu amava Bruna. Gostava de sua risada, de suas conversas durante à madrugada, de sua mania enrolar os cachos que teimam a surgir no meu cabelo. Sem contar o quanto era bonita. Sua pele cor de café era um contraste perfeito para seus olhos escuros e profundos. Quando me absorviam, mostravam tudo o que passava em seu interior. Ela realmente me amava.

Mateus era quem realmente estava animado para a formatura, ainda mais do que eu. Já havia me ligado cinco vezes naquele dia para saber se eu tinha comprado as caixas de cerveja. Elas já estavam na garagem, enfileiradas atrás dos caixotes com brinquedos velhos. Eu não sabia se a mãe ia reclamar das cervejas, mas preferi não correr o risco. Tudo tinha que correr bem naquela noite.

Já eram sete horas quando Mateus apareceu. Eu abotoava a camisa enquanto minha mãe engraxava meus sapatos. Eu tinha feito isso há dois dias, mas os coloquei dentro do guarda-roupa junto com os agasalhos de frio e quando os retirei estavam cheios de bolinhas de lã. Tudo bem, eu sei que não foi uma coisa muito inteligente, mas acontece.

─Boa noite, senhoras. – Esquecendo-se de qualquer boa maneira, como sempre, já foi entrando no meu quarto sem pedir licença. – Sério, cara. Quando você vai aprender a se arrumar rápido?

─Mateus, você está parecendo o James Bond todo arrumado!

─Não exagera, mãe. – Falei.

─Obrigada, Vivian. A senhora tem uma capacidade de percepção excelente. – Ele ergueu a mão dela num gesto exagerado – e falso – de cavalheirismo. – Você é a elegância em pessoa. Parece a encarnação da Lady Di. Não sei como pôde trazer ao mundo uma coisa tão medonha quanto Otávio.

Ela riu e depois suspirou, entristecida.

─Vou sentir falta disso. De vocês juntos, de suas picuinhas.

Eu a abraçaria e diria que estaria sempre por perto, que apenas iria me mudar para um apartamento a algumas quadras, mas eu já tinha feito isso dezenas de vezes e, além disso, eu precisava encontrar a flor para a lapela que veio junto ao terno. Era um cravo, a mesma flor do buquê que encomendei para Bruna. Ela não me falou nada sobre seu vestido, apenas revelou que seria rosa. Por sugestão da minha mãe, escolhi os cravos brancos.

Enquanto eu revirava minhas gavetas para ver aonde a maldita flor havia se metido, Mateus conversava alguma coisa sobre Olívia com a mãe.

─Ela está muito estranha. – Ele falava. – Está comigo, diz que gosta de mim e tudo mais, mas está diferente. Não é a mesma Olívia de antes.

─Todos estamos apto à mudanças repentinas, meu lindo. Ainda mais na adolescência. O ápice de mudanças inesperadas! Só dê um tempo a ela. Tenho certeza que não tem nada a ver com você.

─Assim espero. – Ele jogou-se sobre a cama, derrubando o travesseiro no chão e revelando a droga da flor que estava escondida ali.

─O cravo! Droga. – Apanhei o cravo do chão e a mãe insistiu em ajudar com a gravata. O que era de todo bom porque eu não tinha ideia de como se usava uma gravata borboleta – ou uma comum. Em seguida, ela me ajudou a colocar o paletó e, para finalizar, arrumou a flor em minha lapela. Como já era de se esperar, seus olhos encheram-se de lágrimas.

─Meu bebê vai se formar! – Me abraçou com tanta força que eu comecei a me preocupar porque aquilo iria amassar meu terno – por mais estranho que isso pudesse soar. Permiti que ela me abraçasse e retribuí seu abraço. Fomos sempre nós dois e as gêmeas, superando tudo juntos. Crescer sem um pai é difícil, mas eu tive a sorte de ter comigo uma mãe que valia por dezenas de pais. Nunca me faltou amor e nunca precisei de uma figura paterna pra me orientar no que eu queria para o meu futuro. Eu tinha minha mãe e isso era o suficiente.

─Tudo bem. Deixe-me ir ver suas irmãs se não minha maquiagem já era. – Ela estava prestes a sair do quarto, mas hesitou. – Vocês estão lindos, rapazes. Aproveite a noite de vocês.

Sorri e Mateus fez um gesto de acato, como os soldados.

─Pode deixar, capitão.

Me olhei no espelho e vi que parecia importante. Um empresário indo à uma festa de gala. Tudo bem, aquilo teria que esperar mais um pouco. Dez ou quinze anos, talvez. O futuro me amedrontava, mas naquele momento, eu estava preocupado em aproveitar cada segundo como se minha vida fosse acabar em breve. E, de fato, ia. Quem poderia dizer o dia em que tudo se acabaria? Poderia ser amanhã. E o que eu terei aproveitado da vida? Uma meia dúzia de histórias de desilusões e um triângulo amoroso? Eu precisava que minha vida se resumisse mais do que a isso. Precisava protagonizar minha história.

─Está pronto? – Mateus perguntou.

Assenti.

─Sempre estive.


Eu, você e o tempo entre nósOnde histórias criam vida. Descubra agora