Tirei os sapatos antes de entrar em casa para que não houvesse o risco de Laís acordar. Minha consciência estava pesada, mas eu sabia que aquilo era errado muito antes de ter feito, então era tarde demais pra ficar resmungando e perguntando qual era o meu problema, já que não era nenhum segredo para mim. Era melhor poupar tempo e preocupação e torcer para que Isabela fosse embora o mais rápido possível. Isso porque eu nunca resistiria a ela, nunca seria forte o suficiente para dizer "não". Se bem que não era uma novidade pra mim; eu nunca tinha sido forte.
Coloquei os sapatos na sala e joguei meu casaco sobre o sofá. Também tirei a camisa e coloquei no balde de roupas sujas e, sem acender nenhuma luz, deitei-me na cama.
Eu podia ouvir a respiração intercalada de Laís, o que indicava que ela estava dormindo. Se eu me odiava inteiramente por fazer aquilo com ela? Sem dúvidas. Se eu me arrependia? Não e era isso o que me matava.
Enquanto esperava que o sono chegasse, comecei a reviver em minha mente a conversa que Isabela e eu tivemos logo depois que um silêncio desconfortável surgiu. Não era incomum que aquilo acontecesse. Era a culpa pesando em ambas as consciências.
─Não pensa em ter filhos? – Ela me perguntou. Achei uma pergunta um pouco esquisita para o momento, mas eu sabia que a intenção não era má. Era o tipo de coisa que conversaríamos normalmente há anos atrás.
─No momento, não. – Respondi. – Laís e eu não estamos numa boa fase.
─Eu percebi isso. – Revelou. Virei-me para ela com as sobrancelhas franzidas.
─Percebeu?
Ela assentiu.
─A forma como você respondeu quando perguntei sobre vocês. Acho que qualquer um perceberia. E o modo como vocês conversavam. Como se não quisessem olhar um para o outro.
─Nossa. – Aquilo não me ajudava nem um pouco. Por mais que eu tivesse noção de que as coisas não estavam bem, havia uma esperança em mim de que aquilo era mais uma coisa de minha cabeça do que, de fato, uma verdade. Saber que Isabela também tinha reconhecido o que acontecia me trazia à realidade de que aquilo realmente era verdade.
─Você sabe que muitos casais passam por isso. – Ela continuou a dizer. – Só dê o seu melhor pra que tudo se resolva. Aos poucos, as coisas vão se acertando.
Fiquei em silêncio apesar de estar agradecido por aquelas palavras. Isabela conseguia entender muito bem as loucuras da minha mente, e por mais simples que suas palavras pudessem ser, surtiam um grande efeito sobre mim. Se ela dizia que eu podia fazer com que tudo melhorasse, eu me sentia capaz.
Me lembrei de um momento, quando adolescente, quando minha maior vontade era me jogar na frente do primeiro carro que passasse. Tudo bem que adolescente sempre eleva o problema ao cubo, mas era o que eu sentia no momento. Eu tinha acabado de discutir com a minha mãe e chateado demais para ficar em casa, mesmo que fosse trancado em meu quarto. Peguei minha bicicleta e saí sem rumo pelas ruas de Brasília. Pedalei tão rapidamente que, em poucos minutos, eu estava no bairro de Isabela. Por mais chateado que eu pudesse estar, minha vontade de vê-la nunca ia embora.
Conduzi a bicicleta para a esquerda até chegar em frente a sua casa. Larguei-a na calçada e fui até a porta, as mãos escondidas nos bolsos do casaco – tanto pelo frio, como pela vergonha de estar batendo em sua porta a uma hora daquelas. Dei a volta na casa até chegar ao quarto-garagem de Isabela. Tentei ver pelas persianas da janela, mas estava muito escuro. Pensei em dar a volta e ir embora, mas eu precisava vê-la. Precisava ouvir sua voz. Era tudo o que eu precisava para saber que as coisas iriam melhorar.
Bati na janela lentamente. Eu sabia que Isabela tinha sono fraco, então se não estivesse muito cansada, notaria as batidas rapidamente. Caso contrário, eu iria embora.
Mas não demorou muito para que ela ouvisse. A luz se acendeu e vi quando seus olhos, curiosos, surgiram na janela.
─Otávio?
─Desculpa aparecer a essa hora.
Ela abriu a janela e deu espaço para que eu entrasse por ali mesmo. Por mais que fosse uma entrada muito pequena pra mim, me contorci para que não fosse preciso abrir a porta. Eu lembrava de sempre ouvi-la reclamando sobre o quanto era complicado destrancar todos aqueles cadeados e ferrolhos.
─Está tudo bem? O que aconteceu? – Ela estava verdadeiramente preocupada. Claro que ela ficaria. Aparecer na casa da sua namorada tão tarde da noite não era algo que acontecia com muita frequência – pelo menos com a gente.
─Não sei. – Respondi. – Discuti com a minha mãe e precisava espairecer um pouco.
─Tudo bem. – Disse, docemente. Apontou para a cama e eu a segui. Nos deitamos ali, a luz fraca que iluminava com dificuldade o quarto-garagem. Ela deitou sobre o meu peito, permitindo-me sentir o cheiro do seu shampoo de patchouli em seus cabelos. Eu podia ver sua cabeça subindo e descendo, regulamente, conforme eu respirasse. Só aquilo me trouxe uma calmaria que nem um tranquilizante seria capaz de trazer.
E quando pensei que já estivesse dormindo, ela virou-se para mim, os olhos inchados de sono, e sorriu. Aproximou-se com dificuldade para depositar um beijo em minha boca. Segurei sua cintura e retribuí o beijo com vontade. Ela, então, pareceu despertar e pousou a mão em meus cabelos, enquanto passava a perna sobre meu colo e posicionava-se sobre mim. Nossos quadris estavam encaixados e nossas bocas dançando através da mesma música. O nível de energia em meu corpo era o maior possível e ter Isabela tão próxima de mim me fazia querer explodir de prazer. Era como se meus problemas desaparecessem, mesmo que por um segundo, no momento que nossos lábios se tocavam. Não era por causa do seu gosto de chiclete de cereja, nem pela maciez dos seus lábios ou por ela ter o melhor beijo do universo. Era simplesmente por ser ela.
Quando ela se afastou, voltando à posição que estávamos minutos antes, ficamos em silêncio. Só conseguíamos ouvir o som dos animais noturnos no lado externo do quarto-garagem. Nossas respirações, intercaladas e nossos dedos, entrelaçados. Quando me vi inteiramente confortável para dizer o que sentia em meu coração, as palavras vieram à minha boca quase que por conta própria:
─Sinto falta do meu pai. – Ela apertou sua mão na minha e aquilo era uma mensagem de que ela ouvia e estava ali comigo. Não disse nada, mas aquilo foi suficiente. Continuamos absortos no silêncio até que um de nós, não sei quem foi o primeiro, adormeceu.
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Eu, você e o tempo entre nós
Teen FictionOs romances vitorianos só existem na literatura e Isabela tinha plena convicção disso. Ponto. Ao menos era o que achava ao pôr um ponto final em seu namoro com Otávio, após dois anos de um relacionamento que passeou por uma montanha-russa de emoções...