41. Horas que atormentam (Por Isabela).

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            Eu não sabia que horas eram ou a quanto tempo estava acordada a lado da cama. Minhas pernas estavam dormentes, minhas pálpebras, pesadas, e meu estômago se contorcia de fome. Apesar disso, o choque em meu corpo era tão grande que eu não me permitia sentir cansaço, sono, fome ou qualquer outra coisa que pudesse me deslocar daquele lugar.

Havia alguns minutos que Olívia trouxera uma xícara de café e Carol me ligara mais uma vez, apenas para avisar que tudo estava bem. Eu estava preocupada que as meninas desatassem a chorar, mas eu duvidava que isso acontecesse. Desde que comessem direitinho, continuaram serelepes.

Mateus havia ido para casa tomar banho, enquanto Olívia tomava um ar no lado externo do hospital. No canto do quarto branco e frio, Dona Ana cochilava, exausta, encolhida no pequeno sofá de espera. Seu celular havia tocado mais cedo, eram as gêmeas avisando que já estavam chegando de Goiânia e perguntando se Otávio havia acordado. Meu coração ficou apertado ao responder que não. Já se faziam quinze horas desde que cheguei ao hospital, e em nenhum momento seus dedos responderam ao meu toque.

Desde então, o médico ainda não voltara com notícias. Uma enfermeira simpática, de sardinhas no rosto, aparecia a cada quarenta minutos, para checar as funções vitais de Otávio. Sua ventilação e oxigenação precisavam ser preservadas. Sua pressão arterial precisava ser monitorada. Uma lesão neurológica podia ser identificada a qualquer momento, então era importante identifica-las a tempo. Eu também a via despi-lo, checar suas lesões externas e sabia que aquilo fazia parte do processo de não permiti-lo sofrer uma hipotermia. Era irônico porque eu fazia aquelas coisas todos os dias em meu trabalho, mas nunca me permiti sentir a sensibilidade daquilo até aquele momento, observando-a fazer tudo tão cuidadosamente.

A enfermeira nunca falava nada, apenas fazia seu trabalho e me dirigia um sorriso antes de sair da sala. Provavelmente tinha muitos outros pacientes para checar, não podia parar para me dar um parecer toda vez que entrasse por aquela porta. Ainda assim, meus pés batiam incontrolavelmente contra o chão esperando qualquer notícia que pudesse aliviar meu sofrimento.

Quando meus olhos já se fechavam involuntariamente, a porta abriu-se num solavanco. As gêmeas entraram, assustadas, e o choro de Melinda fez com que Dona Ana despertasse de seu sono.

─Mãe! – Em prantos, ela se direcionou a mãe, que a acolheu também chorosa. Caminhei até Marina e lhe dei um abraço apertado. Fazia muitos anos que não via minhas amigas. Reencontrá-las naquela condição era uma dor terrível.

─Oi, minha amiga. – Falei. – Sente-se um pouco, a viagem deve ter sido longa.

As meninas pegaram a estrada assim que souberam do acidente. Estavam morando com os avós em Goiânia há alguns meses e, assim como todos, não mediram esforços para estar ao lado de Otávio e Dona Ana naquele momento.

─Ele vai ficar bem, mamãe? – Melinda perguntou. Dona Ana sorriu tristemente, os olhos cheios de lágrima.

─Espero que sim, querida. Espero que sim.

Marina não disse nenhuma palavra, mas não largou minha mão em momento algum. Das duas, sempre tinha sido mais forte. Enquanto Melinda era sonhadora, saltitante e guiada, principalmente, por impulsos, Marina era mais calma, sensata e sempre media cada ação que fazia. Não que eu esteja definindo isso como um modo único de ser forte, mas ela sempre me transmitiu uma calmaria que nenhuma outra pessoa era capaz. Talvez isso fosse bom para as aparências, mas só ela tem ideia da dor que percorre o seu interior.

─O médico não disse nada? – Perguntou Marina, ao que Dona Ana balançou a cabeça.

─Não depois da nossa entrada.

─O que aconteceu, mamãe? – Melinda voltou a perguntar. No momento que Dona Ana abriu a boca para responder, seus olhos encheram-se de lágrimas e o choro preso em sua garganta a impediu de falar.

─Ele sofreu um traumatismo crânio-encefálico. Uma contusão cerebral. – Eu respondi, tentando soar o mais firme possível. – Ele foi levado à sala de cirurgia no exato momento em que chegou ao hospital. Os médicos conseguiram parar o sangramento, mas ele não acordou desde então.

Marina me olhou e notei uma lágrima pesada escorrer dos seus olhos ao que ela apertava involuntariamente a minha mão.

─E o que acontece agora? – Ela perguntou.

─Nós esperamos. – Foi tudo o que eu respondi.

A Ciência que sempre se fez tão presente em minha vida me jogava à realidade de que o pior poderia acontecer a qualquer momento. Eu estava acostumada com isso. Era o meu trabalho. Pessoas morrem o tempo todo, faz parte do plano da vida, ainda mais em situações tão extremas. Por outro lado, existia em mim naquele momento um sentimento que eu não sabia ser capaz de existir em mim. Posso denominar de fé ou esperança, mas algo em meu interior me fazia acreditar que aquilo poderia terminar bem. E eu acreditava de verdade nisso.


Eu, você e o tempo entre nósOnde histórias criam vida. Descubra agora