Nos sentamos os quatro – Carol, Otávio, Elis e eu – no sofá enquanto esperávamos papai voltar. Ele havia ligado para Carol mais cedo e havia avisado que a agência funerária chegaria a partir das nove. Agora que todos havíamos comido, estávamos descansados – embora eu ainda sentisse o peso do mundo nas minhas costas – só nos restava esperar. É uma situação tão trágica que beira o cômico. Uma pessoa com sua irmã criança, sua melhor amiga e seu ex-namorado-quase-namorado sentados esperando o corpo da mãe chegar para ser velado. Como minha vida, de perfeita, pulou para esse estágio trágico tão rapidamente?
Eram 10:45h quando o carro da agência estacionou em frente à casa. Papai e Renato chegaram logo em seguida. Uma mulher alta, de cabelo seboso e olhos fundos, entrou em silêncio na casa. Usava uma roupa toda branca e parecia que não dormia há dias. Veio em nossa direção com um medidor de pressão arterial e olhou para Carol.
─Você é a filha?
Carol balançou a cabeça e apontou para mim.
─Sinto muito por sua perda. – A enfermeira disse. – Se importa se eu medir sua pressão?
Balancei minha cabeça e estendi meu braço. Ela envolveu o medidor em meu braço e apertou a bombinha até que comprimisse o meu braço e, em certo ponto, parou, fazendo com que a faixa fosse ficando folgada lentamente. Ela olhou para o medidor e falou sem olhar para mim:
─9 por 8. Está ótimo. Algum de vocês vai querer medir também?
Otávio e Carol negaram e a mulher afastou-se. Dois homens altos entraram carregando algumas ferramentas. Saíam e entravam trazendo vários objetos. Trabalharam por alguns minutos até que formou-se no meio de nossa sala um apoio para um caixão e, ao lado, uma mensagem que não me preocupei em ler. Mamãe era cristão, mas papai era ateu. Provavelmente não era nada relacionado à Deus ou ao paraíso ou sobre como nos encontraríamos no vale encantado após a morte. Eu não acreditava nisso, pouco me importava. Eu queria minha mãe comigo naquele momento, em vida, enquanto eu sabia que era possível. Qualquer outra solução improvável não me interessava.
Os dois homens grandes deixaram tudo pronto e saíram pela porta. A mulher enrugada continuou ali, sentada. Papai e Renato estavam calados no outro canto da sala. Por mais dispersa que eu estivesse em relação a tudo aquilo, eu sabia o que estava acontecendo. Estávamos ali, parados, esperando o caixão com o corpo de nossa mãe. Meu coração se apertava cada vez mais.
O corpo não demorou a chegar e o sepultamento foi mais rápido do que eu esperava. Qual era o sentido de tudo aquilo afinal? Vivíamos uma vida inteira preocupando-nos sobre o que nos aguarda no futuro e então, num dia de trabalho qualquer, você morre e logo no dia seguinte é jogado a sete palmos de terra. Era por isso que nos estressávamos tanto? Esse era o epílogo predestinado a todos nós?
Não me preocupei em ver o rosto sem vida da minha mãe. Preferi guardar em minha memória a imagem da pessoa cheia de vida que foi. Teria sempre em mim as lembranças de uma infância feliz e de uma mãe amorosa. Não precisava de nenhuma lembrança póstuma para tê-la em minha memória e coração.
Quando voltamos do sepultamento, várias pessoas me cumprimentaram. Paloma estava ao nosso lado o tempo todo e Carol e Otávio nem pensaram em se distanciar de mim. Permaneceram ao meu lado o tempo todo, certificando-se de que eu estava bem e de que não precisava de nada. Vários colegas da escola apareceram. Olívia e Mateus me deram um abraço e desejaram suas condolências. Até mesmo Bruna, quem eu pensava me odiar, mostrou-se generosa ao me dar uma palavra de conforto. Era um momento difícil, mas cada palavra de apoio que eu ouvia era um sopro de vida pro meu coração tão frágil naquele momento.
Depois que todos haviam ido embora, que a agência funerária já havia recolhido tudo o que trouxera, nos sentamos no sofá, consumidos por um silêncio que me aterrorizava. Papai, que conversava com um amigo do trabalho na frente da casa, entrou e aproximou-se de nós, mas foi a Otávio e Carol que se dirigiram.
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Eu, você e o tempo entre nós
Roman pour AdolescentsOs romances vitorianos só existem na literatura e Isabela tinha plena convicção disso. Ponto. Ao menos era o que achava ao pôr um ponto final em seu namoro com Otávio, após dois anos de um relacionamento que passeou por uma montanha-russa de emoções...