Eu me lembro exatamente daquele dia: era um desses dias de inverno que te empurram pra debaixo de uma coberta e te fazem assistir a uma maratona de séries, ao mesmo tempo em que seus ouvidos lutam contra o barulho da chuva do lado de fora. Ao menos, era como eu estava me sentindo.
Na TV, passava um episódio da quarta temporada de Seinfeld. Depois de toda a insistência de Isabela pra que eu assistisse a série, eu já não conseguia encontrar desculpas para não fazê-lo. Sabendo que o inverno estava se aproximando e que, nessa época, minha preguiça está propensa a aumentar, peguei emprestado o box que ela tinha e, em três dias, eu já estava na quarta temporada. Tudo bem que as férias ajudavam bastante, mas ainda precisei ouvir muita conversa de minha mãe sobre como eu não estava ajudando minhas irmãs com o dever de casa e sobre como minha cama continuava bagunçada há dias – essa parte era inusitada, porque eu a arrumava todos os dias.
Com minha mãe trabalhando e as gêmeas na escola, a casa era um verdadeiro paraíso. Nunca fui do tipo de pessoa que exige muito para estar feliz. Aquilo, para mim, já estava perfeitamente satisfatório.
Eu já sentia que a poltrona tinha o formato do meu corpo quando ouvi a campainha tocar. Era quatro da tarde e o temporal estava forte. Quem, em sã consciência, se atreveria a sair de casa num tempo daqueles? Eu duvidava que fosse Mateus, já que era tão preguiçoso quanto eu. E Isabela tinha me dito que faria algumas coisas da escola. Pensei na possibilidade de um ladrão, mas eu achava que até eles estavam se escondendo da chuva.
Todo enrolado com o cobertor do Toy Story, abri a porta e encontrei uma Isabela encharcada. Nem precisei mandar e ela entrou, se sacudindo e molhando todo o tapete da entrada. Eu sabia que minha mãe ficaria uma fera, mas mandei um lembrete instantâneo pra minha mente para enxugar aquilo depois.
─Que chuva! – Ela disse, espremendo o cabelo. Deus, minha mãe ia me matar!
─É, eu percebi. – Falei enquanto fechava a porta. – Que surto te deu?
─É bom te ver também. –Ignorando-me completamente, ela caminhou até a sala e jogou-se – molhada – sobre o sofá. Eu torci silenciosamente pra que aquele aspecto molhado em sua roupa fosse apenas ilusão de ótica.
Acho que ela percebeu que eu estava reparando em sua blusa porque logo em seguida ela a tirou. Estava usando um sutiã vermelho e agia como se fosse a coisa mais normal do mundo.
─Percebi que estava te incomodando.
─Você está bem?
Ela ficou parada, apenas me observando. O rímel que escorreu de seus cílios tinham feito um trajeto até o seu queixo, e com todo o seu cabelo descabelado, ela parecia uma cantora emo-gótica. Por mais que não fosse o estilo que mais me atraísse, tive que admitir que ela estava bem sexy.
─Eu te amo, sabia?
Sorri.
─Sei há um tempo.
─Que bom. – Como se adotasse outra personalidade, ela levantou-se rapidamente do sofá e caminhou até a bodega particular de minha mãe. Remexeu nas bebidas até retirar um uísque barato que minha mãe só usava ali para dar a impressão de que a bodega estava cheia. – Eu sei que ela não gosta desses.
Ela me puxou para o sofá e começou a me beijar. Eu ainda estava confuso sobre o que a levou a aparecer assim, de repente, mas claro que não iria ficar parado. Retribuí o beijo, sentindo o gosto de morango em sua boca.
─Eu sabia que você estaria assistindo Seinfeld. – Ela disse. – Não seja tão antissocial. Você precisa se aventurar mais.
─Mas a culpa é sua. – Me defendi. – Você quem sugeriu a série.
─Sugeri, mas essas coisas são feitas pra ser passatempos, não planos de vidas.
Ela abriu a garrafa de uísque e tomou um gole longo na garrafa mesmo. Fez uma careta feia quando afastou a bebida e logo a empurrou para mim.
─Bebe um pouco.
Sinceramente, eu odiava bebidas alcóolicas, mas uma vez ou outra eu me permitia experimentar. Não sei por que eu deveria fazer isso naquele momento, mas peguei a garrafa de sua mão e tomei um gole tão longo quanto o que ela tinha dado.
─Eu estive pensando – Ela começou a falar. – A gente passa tanto tempo da nossa vida sem fazer nada. Tipo agora. Eu estava fazendo esses resumos pra escola, mas eu odeio isso. Então por que faço?
─Porque você precisa das notas.
─Mas eu não preciso gastar todo o meu dia pra isso. Amanhã é outro dia, e depois vem outro. – Ela ficou em silêncio, olhando o Jerry silenciado falando alguma coisa que não podíamos ouvir de tão alto que o barulho da chuva estava. – Eu só queria a certeza de estar aproveitando os meus dias da melhor maneira possível. Claro que sem encarar minhas responsabilidades, mais ainda assim saber que aproveitei tudo o que tinha pra aproveitar.
Eu não sabia se devia falar alguma coisa e, na verdade, eu não sabia o que falar. Eu entendia aquele sentimento porque por mais antissocial que eu pudesse ser, eu também tinha esse receio de não estar aproveitando a vida como eu deveria – e poderia. As palavras de Isabela não surtiram um efeito instantâneo em mim, mas me fizeram pensar por muito e muito tempo.
Rapidamente, ela virou-se para mim e passou a perna sobre meu colo. Segurou meu rosto com as duas mãos e começou a me beijar da forma mais desesperada que alguém pode beijar outra. E não de uma maneira ruim. Pelo contrário, de uma maneira maravilhosa.
Eu percebi que ela estava se movimentando, mas na verdade era para levar minhas mãos em encontro ao fecho do seu sutiã. Segui seus passos – e meus instintos – e não demorou muito para que estivéssemos nos amando como nunca. O efeito daquela garota era de outro mundo. Não havia explicação para a fonte de tanta energia – e não falo isso de uma maneira sexual. Era uma energia própria que ela emanava, capaz de te transportar, em questão de segundos, para outra dimensão.
Era tão doce, e linda, e terna que me faz acreditar em divindades, porque essa é a única explicação para sua existência. Quando ela sorria era como se uma ventania me abraçasse, só que eu não sentia medo. Eu me permitiria ser levada para longe por aquele temporal, se essa decisão me fosse cabível. E quando ela me abraçava, eu sentia que poderia partir naquele momento porque o máximo de amor possível a um ser já havia me sido concedido. Nunca fui fã de poesia ou de textos piegas, mas sobre ela eu poderia escrever um livro. Pena que o mesmo vento bondoso que a trouxe para mim, transformou-se em impiedoso ao levá-la para tão longe. Dói não ver o seu sorriso, mas a imagem que tenho em minha mente é tão vívida e linda que torna-se suficiente para me fazer amá-la a cada instante, a cada amanhecer, a cada ventania.
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Eu, você e o tempo entre nós
Novela JuvenilOs romances vitorianos só existem na literatura e Isabela tinha plena convicção disso. Ponto. Ao menos era o que achava ao pôr um ponto final em seu namoro com Otávio, após dois anos de um relacionamento que passeou por uma montanha-russa de emoções...