4 - Enterrados

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Gustavo

É, ele falava pra caralho. Não me lembrava de tê-lo ouvido tanto em todos os cinco anos em que havíamos estudado juntos.

Quero dizer, ele estudou. Eu apenas existi. Já era uma merda ter que lidar com a montanha de lixo que era minha família, ainda tinha que aguentar a escola? O cacete!

– Gus...tavo?

Eu não sei como, mas dei um sorriso. Há pouco, eu tinha certeza de que estava morto. Depois, algo doeu e eu achei que era questão de tempo para isso acontecer, até que me vi trancado num túmulo quente, e só então o desespero bateu de vez.

Eu não estava morto. Apenas enterrado!

Quem nunca teve essa "fantasia"?

O que doía por fora não chegava perto do que me estraçalhava por dentro, a sensação de afogamento, a dor excruciante no externo, que subia pela clavícula e me agarrava como uma corda, a mesma corda que um dia passei pelo meu pescoço, mas que não resolveu meu problema, então eu a usei de outra forma...

Como tudo na minha vida, eu até tentei fingir que não estava acontecendo aquilo comigo; que o teto não tinha acabado de desabar, literalmente, sobre a minha cabeça. Eu tentei me mover, mas mentir para mim mesmo não faria diferença. Não daria certo dessa vez, porque não dava para simplesmente sair andando, então quando abri os olhos e não enxerguei nada, o pânico veio mais uma vez, numa nova onda que me consumiu.

Foi aterrador. Eu tive certeza de que estava de novo naquele buraco fétido e imundo onde eu era jogado quando criança, mas então aquela voz... Insistente, preocupada e chata pra caralho, foi me trazendo de volta.

Eu não me lembrava do Kai sendo uma pessoa gentil. Nem fodendo. Ele era o moleque mais chato que eu conheci na vida, e ainda que eu tentasse botar banca pra cima dele como se ele fosse o fracote e eu o troglodita, na verdade, era ele quem me botava medo. Eu passei cinco anos tentando pisar na barata, mas me escondendo toda vez que ela abria as asas.

Eu estava comparando o Kai a uma barata? Também não era pra tanto. Baratas são muito piores, Ughhh!

Será que tinha baratas nesse buraco? Porra! Se tivesse, eu definitivamente estava muito mais fodido!

Cada um tem um ponto fraco, tá legal? Aquelas porras têm antenas, voam e desaparecem do nada! Fala sério!

– Mundo pequeno... – Respondi. Eu estava parecendo uma prostituta velha bêbada e fumante falando. Se juntasse o cheiro de vômito que subia pela minha nuca, podia acrescentar "recém-despejada numa lata de lixo" como sobrenome.

– Não sei o que dizer... Como você está?

Cara, ele gostava mesmo de conversar! Será que ele não entendia que no momento eu só queria terminar de morrer? Principalmente antes que aparecesse algum inseto rastejante, com asas e antenas? Tudo bem que o cara me tirou da crise de pânico e tal, mas foi só para me jogar num outro buraco, muito pior porque esse fazia doer tudo, e a escuridão era muito anormal para ser de verdade.

– Acho... Que tô cego. – Rosnei. Doía falar. Doía a cabeça, a garganta, o peito, a barriga, a porra toda.

– Sente dor?

Era sério isso?

– Não.

– Mentiroso!

Merda.

– É médico ou vidente? – A voz começava a ter algum som, mas muito parecido com a aceleração de uma Kombi.

– Médico.

Indestrutível (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora