8 - Silêncio

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Gustavo

Estava tudo muito quieto.

Eu não sei se eu apaguei, se foi o Kai que apagou, ou se estávamos todos mortos, porque eu não ouvia mais ninguém gritando, nem xingando. Também não ouvia mais os aparelhos apitando em pontos distantes.

Tudo estava gelado agora. Meu corpo inteiro parecia uma pedra de gelo e eu não conseguia entender o motivo de tanto frio. Havia um ponto, um único ponto que permanecia morno, não exatamente aquecido, mas estava menos frio que o resto, e era a minha mão.

Havia dedos entre meus dedos. Às vezes, aqueles dedos acariciavam a minha palma e isso era bom. Eu não me lembrava da sensação de receber carinho. Não esse tipo de carinho. Tirando carícias na hora do sexo que tinham muito mais a finalidade de estimular do que transmitir afeto, eu não saberia descrever um momento de carinho sequer que tivesse recebido ao longo da vida.

Talvez se eu tivesse encontrado alguém que realmente gostasse de mim, teria experimentado tal sensação. O fato é que eu nunca namorei ninguém, nunca fiz sexo com uma mesma pessoa duas vezes. Não gostava que me tocassem porque o toque era complicado para mim dado o meu histórico, então...

Não. Não havia carinho. Nunca houve. Ao menos não humano porque o Chokito me lambia muito como se tentasse compensar minhas carências ocultas. Tirando a carícia de um cão, eu não era tocado com esse objetivo.

Mas aquela mão na minha estava me fazendo carinho, e eu retribuía porque era incrível. Era aconchegante e tinha uma conexão direta com meu coração. Cada roçar de dedo percorria meu braço até o peito, descia até o estômago e terminava lá embaixo, entre minhas pernas. Não causava um estardalhaço tão grande quando chegava lá, dado meu estado semicomatoso, mas era suficiente para causar choques discretos e um pulsar agradável que me fazia sentir infimamente vivo.

Assim como não era tocado, eu não tocava nos outros. Não sem intenção erótica ou com a finalidade de agredir. Quando fodia uma boceta, uma boca ou uma bunda, eu costumava segurar os cabelos de quem eu estava comendo, por conveniência. Não ligava pra textura, cor, nada. Era um acessório, algo para agarrar, para melhorar a performance.

Mas eu me lembrava da textura de certas madeixas. Lisas, pretas, espetadas e brilhantes. Fodidamente macias, tanto que eu me segurava para não ficar passando a mão toda a hora.

– Kai...?

Minha voz estava estranha, como se eu estivesse debaixo da água. O silêncio era assustador, mas tinha uma pressão constante na minha cabeça, como se o silêncio fosse o barulho mais alto de todos. Ele não respondeu e eu chamei mais algumas vezes, até que o senti puxar meus dedos e apertar minha mão com força.

Foi reconfortante.

Será que ele estava tentando me dizer algo?

Será que além de cego, agora eu estava surdo também?

E por que estava tão frio, cacete? Era algum tipo de versão alternativa do inferno? Eu estava na verdade morto e vivendo uma realidade espiritual de purgação de pecados?

Voltando aos carinhos, eu não me lembrava deles quando era criança. Minha mãe se revezava entre me bater e se drogar, e o meu pai, bem, esse sabia usar as mãos muito melhor do que ela.

Depois que cresci, eu tentava entender o porquê de meu pai não ter abandonado minha mãe à própria sorte quando ela apareceu grávida. Ela era uma puta literal, mas ele a mantinha como um dos funcionários que trabalhavam para sua empresa, só que ela ficava numa casa modesta e isolada num bairro modesto. Tal casa tinha um porão, um buraco nojento cheio de engradados de cerveja, ratos e muitas, muitas baratas.

Indestrutível (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora