6 - Chuva

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Gustavo

Será que cegos choram? Eu não sabia nada sobre isso, mas acho que eu estava prestes a descobrir. Deviam chorar, porque aquele furinho de onde saía a água não tinha nada a ver com a bolinha do olho que enxergava as coisas. Eu podia perguntar ao nerd da "cova" ao lado, ele certamente sabia tudo dessas paradas, mas eu estava com vergonha.

Como previ, comprovei que choravam. E foi quando ergui a tela do celular, apertei o botão, ouvi o som do aparelho, mas continuei sem enxergar nada. Não havia luz, nem na tela, nem em lugar algum. Minhas suspeitas se confirmaram, e foi então que senti as lágrimas.

Passei o aparelho para ele. Quase morri no processo porque tudo doía absurdamente, e minha sorte foi conseguir tirar o celular do bolso. Avisei ao Kai que não estava enxergando e ele ficou bem quieto depois disso.

Será que ia rolar aquele lance de o olho ficar opaco? A maior parte dos trabalhos que eu conseguia, vinha por causa dos meus olhos. A galera realmente gostava deles (deles e do que vinha junto, como meu físico foda e, dependendo do trabalho, do tamanho do meu pau).

Pois bem, eu era modelo. Não desses modelos que desfilam em passarelas e tal, mas eu fazia fotos para produtos de venda online, então talvez você encontrasse alguma foto minha nesses sites como Shopee e Ali Express. No geral, eram fotos de roupas íntimas e até de produtos de sex shop, e sei lá por que meus olhos fariam alguma diferença, afinal, eu não posava de óculos nem de make (não que não tivessem me oferecido).

Não tinha preconceito com isso. Na verdade, eu era um cara bem aberto em muitas coisas, mas tinha alguns poucos limites que eu me impunha para não perder o fiapo de dignidade que me restava. Eu não posava nu, nem de maquiagem, nem usava roupas de puta. Mas usava muitas cuecas, aparentemente porque segundo as agências que faziam as fotos, meus "documentos" tinham um bom volume e uma excelente simetria (sabia lá o que essa porra significava).

Doze, quarenta e três – declarei a senha – você pode ligar para a Barbie e pedir que ela te fale o que tá rolando do lado de fora, talvez ela tenha alguma informação de quanto tempo isso pode demorar, e se a gente tá mesmo fodido de vez.

– Barbie?

– É, a loira que estava te "jantando" emputecida.

– Ah... Minha noiva. Vou ligar. Gustavo, sobre seus olhos... Você...

– Cala a boca e liga logo pra mina, beleza? Uma coisa de cada vez!

Fiquei quieto. Descobrir que a tal loira era noiva dele me deixou aborrecido. Sei lá. Não gostei dela. Não gostei dela tratando mau o meu desafeto colega de cova. Esse papel só cabia a mim, e a mais ninguém, e ele era muito novo pra ser noivo, caralho!

O que eu estava pensando?

Ouvi o Kai falando com alguém. Não consegui entender, acho que ele estava sussurrando pra eu não ouvir. Fiquei mais puto ainda.

– Coloca no viva-voz aê! – Gritei, depois tossi, irritado.

Ele me atendeu, então eu ouvi um gato com raiva miando sem parar. Quase pedi para ele tirar do viva-voz de novo. Em meio a guinchos e ruídos estranhos, captei algumas palavras soltas. Explosão, chuva, bombeiros, resgate, ambulâncias e... Enchente?

– ... Preocupados porque... chuva não para... dificuldade de... água entrando... três mortes até agora.

De repente, eu queria que ela também parasse de falar. Como se o universo pudesse me ouvir, rolou um silêncio, então perguntei:

– Se eu passar um endereço, você tem como pedir pra alguém ir até lá dar comida pro meu cachorro?

– Como é?

Indestrutível (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora