28 - Alguém

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Gustavo

– Você tem o corpo muito bonito, sobrinho. Não apenas o corpo, todo você é bem agradável aos olhos. Seria de muita valia ter alguém como você nos negócios. A parte boa é que somos família, nada nunca vai te faltar se você vier para o meu lado.

– Não quero me prostituir.

– Não precisa se prostituir. É só manter esse rostinho atrás do balcão e os clientes chegarão, chame isso de "isca".

– E o que eu vou precisar fazer?

– Servir bebidas, ficar de olho em tudo e, sorrir.

– E se eu não quiser?

– Vai fazer o quê? Morar na rua?

(...)

– Gustavo?

Aquela voz... Não era do meu tio. Era de antes, mas também era de depois de... Quando? Que momento era esse? E de quem era a voz, mesmo? Eu a conhecia, era... Era importante. Fazia minha barriga se contorcer e meu coração acelerar. Me concentrei no som, tentei caminhar em sua direção, mas minhas pernas não se moviam.

– Mnnn...

Aparentemente, minha boca também não.

– Gustavo? Gu? Tá me escutando?

Senti uma mão. Apertava meus dedos e parecia que minhas pernas se moviam naquela direção. Caminhei olhando para aquela palma firme e quente e subi o olhar pelo braço, ombros, pescoço até seus olhos.

Ele tinha olhos como de um gato. Puxados, expressivos, obsidianos e envoltos por cílios longos e brilhantes. Seus olhos escuros como o breu e seus cabelos negros como o ébano eram a única escuridão na qual eu seria capaz de mergulhar. Eu me deixaria envolver em sua noite sem fim, se isso me fizesse estar com ele para sempre. Fechei os olhos.

Eu sabia quem era ele. Eu o conhecia...

– K-kai...

Senti lábios tocando os nós dos meus dedos, depois um leve afofar em meus cabelos. Queria abrir os olhos de novo, mas meu tio me olhava do fundo, lá de trás, recortado pela luz de uma porta larga e opulenta. Eu estava do lado escuro, queria voltar para a luz, mas aquele homem que se dizia meu parente estava lá, aquele que me jogara no colo do que havia de pior para se conhecer no ser humano.

– Gustavo, abra os olhos. Eu estou aqui.

Me esforcei. Senti tontura e enjoo, mas segurei minha onda e forcei as pálpebras a se moverem. Demorou um tempo e quando a luz entrou, minha cabeça doeu horrores.

– Kai...

Então eu o vi de verdade. Não parcialmente. Não de forma difusa. Eu o vi completamente. Eu estava deitado num leito de hospital e não caminhando. Não havia nenhum homem atrás de mim, me esperando numa porta aberta. Minha mente confusa começava a distinguir a realidade, e saí do delírio para me encontrar no... Paraíso.

Kai estava ali e segurava minha mão, essa era a minha versão de paraíso.

– Você tem que parar de procurar pela morte, Gu. – ele murmurou. Parecia chateado, não entendi a razão.

– Eu não... – Não sabia o que dizer. Não me lembrava de nada direito. Tudo parecia um borrão na minha cabeça. Eu já tinha tomado várias paradas bizarras capazes de fazer isso, mas dessa vez, eu tinha certeza de que não havia ingerido nada.

– Como você está se sentindo? – Ele ainda tinha uma voz estranha. Olhei pra ele. Olhei bem, e de fato eu o estava vendo muito melhor.

Estaria ainda num delírio? Eu não o tinha abandonado há quase um mês?

Indestrutível (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora