26 - Linhas Brancas

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Gustavo

Eu gostava demais das manhãs. Não havia nada mais bonito do que ver o sol nascendo, sua luz se espargindo pelo firmamento, espalhando cor pelo breu de outrora como uma explosão de vida.

Sempre gostei de acompanhar o nascer do sol; quando eu era criança, esse momento em que a luz perfurava as trevas era como um prenúncio de novas possiblidades, como um bom presságio. Conforme fui crescendo, essa promessa de dias melhores foi se esvaziando de sentido, até que as manhãs se tornaram apenas o fim da noite, ainda que carregasse um fiapo de esperança em sua luminescência.

No fim das contas, era apenas um dia a mais de vida, e um dia mais perto da morte. Podíamos adiar o quanto fosse, a escuridão chegaria para todos. Eu sinceramente desejava que a morte fosse tudo, menos trevas, afinal de contas, a única coisa que me assustava no mundo era o negror sufocante de existir sem a esperança de um amanhecer.

Todavia, as manhãs fatalmente chegariam, assim como o anoitecer. Da mesma maneira que tudo ficava vivo e cheio de cores, essa luz se esvanecia ao fim do dia, e as trevas assumiam o controle. Era uma metáfora da vida, que oferecia períodos claros e translúcidos que sempre findavam num inevitável e denso breu.

Meu dia amanheceu, mas o lóbrego da existência havia chegado. Para mim, as noites eram bem mais longas, por mais que eu tentasse escapar da escuridão. Isso porque a luz não conseguia irradiar por dentro, lá naquele espaço úmido e cheio de pestes que era minha alma. Ali, as trevas eram predominantes na maior parte do tempo.

Às vezes acontecia de a luz entrar por uma fresta. Invadia o quarto todo e me provocava sorrisos e lágrimas livres de tristeza. Às vezes, depois de dar uma limpada no cômodo, como havia feito há pouco, parecia que a luz ia permanecer, mas então, o motivo de sua alegria saía pisando duro e fechava a porta na minha cara levando a luz consigo. Restava esperar que a porta se abrisse e trouxesse a luz de volta.

Não ia acontecer.

Depois que despejei meu passado sobre o Kai, era como se eu estivesse nessa espera. Não era tão pior quanto acordar no buraco sem ver um palmo diante dos olhos, mas era bem assustador imaginar que ele sairia daquele quarto disposto a me mandar embora. Eu não estava preocupado em voltar pra casa, não se tratava disso. Eu tinha medo de ele me mandar embora de sua vida. Nesse quesito, eu não o podia apressar, cobrar, eu não podia me mover na direção de um novo patamar de relacionamento sem saber o que ele pensava sobre mim.

Isso estava me matando por dentro.

Até entender que eu podia perder o Kai para sempre, achei que jamais seria capaz de me entregar e acreditar numa relação duradoura. Meu querido japonês estava mudando as coisas dentro de mim e depois que percebi o quanto ele era imprescindível, me dei conta de que tentaria, se ele me desse uma chance. Eu tentaria se ele quisesse, mas não suportaria se ele me rejeitasse.

Eu não aguentaria mais uma rejeição e esse era o motivo de eu estar com minhas poucas coisas guardadas numa sacola de compras enquanto Chokito me encarava com a língua de fora, como se estivesse pronto para sua caminhada matinal.

Não íamos caminhar.

Eu estava indo para casa.

Pensei em deixar uma mensagem. Pensei em acordá-lo para comunicar minha decisão, mas como já mencionei, eu não saberia lidar com a rejeição do Kai depois de ter chegado tão perto de merecê-lo. Era melhor privá-lo do constrangimento de me pedir para dar um tempo, esse tipo de coisa só deixava tudo pior e eu estava de saco cheio do pior que permeava meus dias.

Estava sendo covarde? Sim. Egoísta? Talvez. Infantil? Eu não sabia ser outra coisa. Orgulhoso? Com toda a certeza. Eu preferia que fosse eu a partir, eu a dar as costas, como se a falsa ilusão de sair por cima fosse aliviar meu coração ferido e sangrando pela perda da pessoa mais importante da minha vida.

Indestrutível (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora