17 - Sinta

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Kai

Eu estava ansioso. Tinha alguma noção de oftalmologia e neurologia por causa da faculdade, mas eram apenas informações armazenadas. Enquanto eu observava os exames que o meu amigo, Dr. Otávio, fazia no Gustavo, tentava ler sua reação para antever o que viria.

Fazia uma semana que Gustavo estava na minha casa. Ele dormia num colchão no chão na sala, acordava, tomava banho, comia e não fazia mais nada. Pouco conversava e a única atividade que fazia era sair comigo para passear com o Chokito. Ele saía porque gostava do cachorro, não porque desejava sair. Fazia porque estava comigo, caso contrário, eu acreditava que ele não faria.

Ele estava depressivo. Era absolutamente normal dada sua situação; somando o fato de ter passado por um trauma e ainda acumular feridas do passado, não havia muito como fugir desse desfecho. Minhas noções de psicologia também não passavam de informações acadêmicas, mesmo assim eu tentei conversar com ele. Insisti que ele deveria fazer terapia, mas ele não se mostrou muito animado.

Eu mesmo o ajudei com o braço. Ele removeu a tala há dois dias e eu fazia com ele alguns exercícios e o orientava enquanto eu mesmo fazia os meus. Ele agia mecanicamente e eu sentia falta do seu humor ácido. Não me lembrava do Gustavo calado e taciturno, a não ser no último bimestre do terceiro ano; logo depois que ele me atacou na rua, passou os últimos dias sendo maldoso comigo e frio com todos.

Agora ele estava na minha casa, sendo frio comigo e maldoso consigo mesmo. Ele se xingava sempre que trombava com alguma coisa, e eu sabia que ele ficava remoendo mágoas enquanto calado no sofá. Não podia ver TV, mas ficava ouvindo os filmes com aquele tipo de narração especial. Era um jeito de passar o tempo.

Eu conversei com ele sobre seu trabalho. Ele me contou que trabalhava como modelo e não me surpreendi, embora esperava que ele tivesse continuado no esporte. Ele se ofereceu para ajudar com as despesas, mas eu recusei. Eu não vivia num mar de rosas, mas estava tranquilo tê-lo por perto. Eu podia imaginar que os próximos meses seriam desafiadores para ele, e me vi inclinado a ajudar o quanto pudesse.

Cada dia que passava, eu me sentia mais e mais conectado a ele, ainda que ele não me deixasse entrar. Eu tinha vontade de tocá-lo, de falar abertamente como me sentia, mas tinha muito medo. Eu sempre tive muito medo dele e as coisas não iam mudar de uma hora para outra. Os momentos de intimidade que trocamos no hospital nunca mais foram mencionados, nem por ele, nem por mim, e eu fiquei na minha.

Todavia, queria que fosse diferente. Eu sabia que era recente tentar qualquer coisa quando havia acabado de romper meu noivado, algo que ainda me entristecia, mas também estava angustiado com o que sentia. Esperava que o tempo me ajudasse a colocar as coisas no lugar dentro de mim e me apontasse o que fazer agora.

– Kai, estou aqui com os resultados. Quer me acompanhar?

Olhei para o Gustavo, sentado numa das cadeiras de exame, aguardando para ser orientado sobre o que fazer. Ele já estava se acostumando a ser conduzido, ainda que no começo tivesse relutado. Meu amigo fez um sinal com a cabeça para que o deixássemos sozinho na sala e eu o acompanhei até uma outra sala anexa.

– E aí, Otávio. O que descobriu?

– Bem, você já analisou a RM e a TC que ele fez antes de deixar o hospital e notou que não havia mais nenhuma anomalia, hemorragia ou dano cerebral. Meus exames apontaram normalidade na irrigação e na resposta aos estímulos. Não há nenhuma evidência de dano físico e, salvo um grau considerável de astigmatismo e hipermetropia, não há motivo aparente para ele não estar enxergando.

– Você acredita que seja psicológico?

– O cérebro é uma incógnita, Kai. Por mais que se estude, tem coisas que não têm explicação. Se soubéssemos que botão apertar para resolver as coisas, não hesitaríamos em usá-lo.

Indestrutível (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora