20 - Vingado

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Gustavo

Eu estava extasiado, mas também confuso.

Eu tinha Kai deitado ao meu lado, e ele dormia. Tínhamos acabado de dividir um dos momentos mais prazerosos da minha vida, mas um buraco ia sugando tudo, lentamente, como um relógio de areia. Eu só sabia que Kai dormia porque ouvia sua respiração e sentia seu hálito atingir meu pescoço, mas não o podia ver.

Ao pé da cama, Chokito provavelmente me olhava, e eu só sabia disso porque seus pelos me faziam cócegas, contudo, eu não podia ver.

Estava anoitecendo, e eu sabia disso porque a luz no quarto diminuía lentamente e a penumbra ia tomando o lugar da claridade. Eu percebia a mudança, mas como todo o resto, também não podia ver.

A melancolia me atingiu, e foi descendo sobre mim tal qual a noite cobria de sombras o entardecer. Pensamentos intrusivos passaram a abalroar minha mente, questões sem solução, medos e incertezas me envolveram sem dó nem piedade. Junto à tristeza, veio a ansiedade e, tomado de profunda angústia, me levantei da cama, cuidando para não acordar o Kai. Procurei minhas roupas tateando pelo chão e ao encontrá-las, me levantei.

Fui até o banheiro (eu já me movia bem melhor pela casa), removi o preservativo e me limpei. Joguei uma água no rosto e fiquei tentando enxergar minha face através do espelho. Minha barba estava crescida e eu não podia me barbear porque não sabia como fazer isso sem enxergar. Cada vez mais aborrecido, me vesti e voltei ao quarto para procurar os tênis.

Eu precisava voltar pra minha casa. Precisava parar de empurrar as coisas com a barriga. Precisava arrumar outro emprego e, o pior de tudo, precisava deixar o Kai em paz.

Qualquer um diria que eu era um cretino por dar as costas e sair andando como se não me importasse, logo depois de ter conseguido o que queria. Eu finalmente tinha ficado com o cara que foi minha principal obsessão adolescente, deveria aproveitar a chance, mas poucos entenderiam o que eu temia.

Eu temia o abandono. Eu temia o envolvimento, o apego, a dependência de alguém pois, no fim, eu estaria sempre sozinho. Eu tinha medo de relacionamentos, por isso nunca ficava com uma mesma pessoa duas vezes. Eu passava por suas vidas, e elas passavam por mim e tudo seguia sem promessas, sem amarras e portanto, sem decepções. Ficar com o Kai por uma semana inteira dependendo de seus cuidados vinha minando dia a dia a minha determinação, e eu estava começando a me tornar indulgente demais.

O fim seria trágico. Só me restariam a dor e a solidão quando ele finalmente se desse conta do quão desgraçado eu era. Se ele conhecesse meu passado, se fizesse ideia do que eu já havia feito, não teria me deixado entrar, e se descobrisse, me mandaria embora. Eu era um pedaço de nada que não merecia merda nenhuma, então, pra que ficar tentando? Pra que aceitar algo de bom sendo que nada ia durar?

Meu pai fez um excelente trabalho me condenando a um aborto ambulante. Para alguém que cresceu ouvindo das pessoas que me colocaram no mundo que eu não deveria existir, eu até tinha chegado longe. Meu pai nunca me quis, e não foi à toa que eu também acabei com ele, todavia, ainda que graças a mim ele estivesse morto, sua voz ainda era alta demais para ignorar e estaria para sempre impregnada sob minha pele, doendo como uma fratura em dias frios.

Eu era um fracasso, um perdedor, tanto que até as poucas coisas de que me vali estavam escoando pelos meus dedos. Família? Dinheiro? Amigos? Aparência? O que eu possuía agora? Nem saúde eu tinha mais! Eu não conseguia enxergar um palmo na frente dos meus olhos, era óbvio que não chegaria a lugar algum.

Agora, eu procurava meu par de tênis apalpando o chão, como um completo imbecil enquanto Chokito perambulava ao meu redor como se eu estivesse brincando com ele.

Indestrutível (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora