13 - Sentidos

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Kai

Não era minha intenção beijá-lo. Uma porque para fazer isso, tive que ficar de pé e, o pior, tive que me inclinar.

Porém, não pude evitar.

Não saberia dizer o momento exato em que tive certeza de que queria isso. Não sei se foi quando o vi engasgando por causa da remoção do tubo, os olhos lacrimosos e a expressão de desconforto que me fez ter vontade de o embrulhar e embalar como um bebê. Talvez tenha sido quando seus olhos vagavam na minha direção sem poder me ver, aquelas írises verdes, fodidas de lindas e cristalinas que faziam meu coração palpitar, mas que não podiam enxergar, mesmo que transmitissem tudo o que ele estava sentindo como uma tela de cinema.

Medo; raiva; ciúmes.

Eu notei os ciúmes. Talvez tenha sido esse o momento. Quando mencionei a Lílian, e seu semblante ficou sombrio como a noite. Os olhos esfriaram e a postura geral entrou em defensiva. Logo depois, ele se tornou o antigo Gustavo. Pedante, provocativo, mas ferido, algo que só agora eu podia enxergar. Não tinha condições de perceber isso antes, mas agora era claro como suas írises transparentes, porém cegas.

Eu senti o calor de sua mão, e me perdi em seu rosto abatido, a barba agora cerrada por tantos dias sem cuidado, e o cabelo meio claro meio escuro, todo despenteado implorando para ser tocado... Eu olhei para aqueles olhos, depois para aquela boca, e me lembrei de sua língua em meu pescoço.

Agora, eu sentia minhas costas gritarem, mas não a ponto de conter minha ereção; não a ponto de me convencer a interromper aquele beijo, que só então eu percebia o quanto desejei sem saber porque o que estava no peito gritava mais alto. Gustavo tinha o gosto da chuva sobre a terra quente, morno e aromático, cujo vapor subia pelo meu corpo até me envolver completamente numa câmara de sensações ora conflitantes, ora harmoniosas, mas todas intensas e devastadoras.

Eu o queria. Queria seus lábios, seu corpo, todo ele, e era algo tão intenso que só pude atribuir a algum sintoma de TEPT. Eu certamente não estava no meu estado normal, afinal de contas, eu era noivo, tinha uma vida, e não podia jogar tudo pela janela por esse cara que era a razão dos meus principais traumas adolescentes.

Contudo, ao mesmo tempo em que ele era isso, ele também era a razão do desabrochar dos meus sentimentos; a parcela que me manteve estimulado e atento por aqueles anos; a proximidade tóxica que me motivava a levantar da cama para enfrentar as intempéries, como um jogo de fases cujas etapas vencidas reservavam um prazer obscuro em ansiar pelo próximo e espinhoso desafio.

Eu acordava esperando o que viria quando o encontrasse, e dormia pensando no que ocorrera quando estava perto dele. Só agora eu percebia como ele havia preenchido minhas lacunas quando eu era jovem demais para perceber, e quando nos separamos, meus altos e baixos emocionais foram substituídos por um confortável e previsível plano em tons pastéis.

Nada de surpresas. Nada de emoções dissonantes. Nada de desafios. Nada de confusão, medo ou vergonha, tampouco anseio, desejo ou paixão. Tudo ficou opaco e, quando naquele momento antes da explosão, aqueles olhos transpareceram tudo em verde e refletiram luz sobre meus conflitos mais escusos, eu me senti vivo outra vez.

Eu queria sentir isso de novo, e queria tudo.

Mil desculpas, mãe, mas sentir nem sempre era uma merda.

Senti a mão do Gustavo no meu cabelo. Minha língua tocava a sua de outro ângulo agora. Minha lombar fisgou, eu ignorei e estava prestes a tocar seu corpo em algum lugar que não devia quando ele soltou meus lábios e olhou para mim.

Ele olhou para mim.

Ele mirou meu rosto, e nesse momento, eu tive certeza de que ele me via. Não totalmente, pois suas pupilas estavam tão imensas que só havia uma borda incandescente contornando as esferas negras, mas eu entendi que algo mudara pela forma que ele puxava meu cabelo; surpreso e eufórico.

Indestrutível (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora