7 - Abismo

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Kai

Eu perdi a noção do tempo. Me vi fazendo um milhão de cálculos de probabilidade, principalmente depois do que a Lílian me contou quando eu tirei o celular do viva-voz para não alarmar o Gustavo. Ele tinha acabado de dizer que não estava enxergando e eu não quis piorar as coisas. Lílian costumava ser histérica por natureza, mas pelo que me contou, havia mesmo razão para as lágrimas e os gritos.

A causa do desabamento foi uma explosão associada a infiltrações e danos na estrutura, que vinham sendo ignorados há anos. De acordo com a nota dos bombeiros, o imóvel era para ter sido interditado há oito meses, o que não ocorreu e nenhuma fiscalização fechou a casa porque um dos sócios era parente de um certo político eleito.

A explosão ocorreu porque estavam tentando consertar o ar-condicionado. Agora, os bombeiros faziam as buscas nos escombros, mas a situação era complicada pois era noite, estava escuro, chovia sem parar e a umidade predominante em toda a estrutura já comprometida pelo abalo trazia riscos de novos desabamentos.

E para completar o quadro, a cidade estava com mais de cem pontos de alagamento, principalmente nas regiões sul e oeste. Se eu pudesse prever esse teatro de horrores, teria ficado no hospital e completaria de bom grado mais 20 horas de plantão.

Mas então, a Lílian não teria brigado comigo e saído antes de terminar nossa comemoração, e seria ela embaixo dos escombros.

E o Gustavo provavelmente teria sufocado no próprio vômito.

Eu não acreditava muito nesse lance de destino; só buscava ser positivo quando tudo lutava para me pôr pra baixo, como aprendi com a minha mãe. Ela me criou sozinha depois que meu pai morreu de câncer; eu tinha 12 anos na época. Nunca a vi derramar uma lágrima depois do funeral, e ela me ensinou a ser frio e empático na medida certa.

Chorar era perda de tempo. Ficar triste, irritado ou até mesmo feliz, também era. Sentimentos no geral não levavam a nada, pois tudo era determinado pela forma como se percebia as coisas. Algo que aparentemente era muito ruim, podia ser algo bom se olhasse de perto e na ótica correta.

Como o fato de eu estar enterrado do lado de um desafeto temporariamente cego no lugar da minha noiva.

— Kai...?

Eu não queria conversar agora. Estava me sentindo esgotado. Acho que finalmente a adrenalina estava baixando, e todas as convalescências do meu corpo se manifestaram de uma vez ao perceber que ficaríamos ali por um bom tempo, ao menos até o amanhecer. Meu estômago roncava, eu estava apertado e sabia que não adiantava ficar segurando, só ia piorar tudo se eu ainda somasse um desconforto urinário ao quadro geral.

Mas o Gustavo parecia pior do que eu. Ele não soltou mais a minha mão depois que eu a segurei, e agora seus dedos estavam frios. Ele tremia também, e eu me vi preocupado com ele.

Mesmo assim, eu não queria conversar.

— Meo... Tá aí?

— Não fica me chamando disso — reclamei e fechei meus olhos.

— Você tá bem?

Mais uma vez ele vinha com essa pergunta. Que tipo de pergunta era essa? Era óbvio que eu não estava bem, mas não era meu papel piorar as coisas. Minha função era trabalhar para melhorar tudo. Eu tinha que fazer a dor passar, tinha que tratar, ajudar, curar...

Mas eu estava cansado.

— Por que quer saber? Que diferença faz?

— Faz, pra mim.

Indestrutível (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora