34 - Temores

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Gustavo

– O que acha, Gustavo?

O homem me olhava do outro lado da mesa. Aquele consultório frio não se parecia em nada com os lugares maneiros que se via em novelas e filmes. Não tinha aquele divã pra ficar deitado olhando pro teto enquanto o terapeuta de pernas cruzadas fazia desenhos aleatórios num bloco de notas fingindo se importar.

– Posso tentar isso. – Respondi. O homem poderia parar de me olhar tão diretamente e usar o bloco de notas para me ignorar, mas não fazia isso.

– Pode tentar? Vai tentar?

– Eu não sei. Não sei exatamente o que fazer.

– A disposição é a primeira conquista. Depois que decide se esforçar, o resto fica mais leve, acredite.

Tinha um mês que eu havia começado a terapia. Primeiro precisei passar com um psiquiatra que me receitou uma medicação para ansiedade e outras paradas da minha cabeça. Briguei com o Kai que não queria tomar aquela porra porque eu era um viciado, ele me garantiu que uma coisa não tinha nada a ver com outra.

Mesmo assim, eu não tomei. Aquele japonês não tinha que vencer todas.

Isso tornou bem mais difícil a terapia. Eu parecia um dente aberto de sensível durante as sessões e o Dr. Joaquim teve muita paciência comigo enquanto eu não o levava a sério e o ofendia sem motivo algum. Achei que ele ia me dedurar pro Kai, afinal de contas, era mais um amiguinho do meu homem, mas ele nunca comentou nada.

Confidencialidade paciente e terapeuta. Esse era o motivo. Dei de ombros, mas tive que dar o braço a torcer de que isso melhorou meu olhar para o homem.

Apenas na última sessão eu consegui falar algo sobre mim. Contei sobre as surras, sobre o quarto escuro e sobre as merdas que tive que fazer para o meu tio por um tempo. Falei por alto, o resto ele adivinhou.

– Eu queria me sentir... digno, sabe? Acho que isso tá muito distante de acontecer.

– O que você fez ou o que fizeram de você não define sua essência. Parte é fruto de decisões, sim, mas parte é fruto do meio. Abstenha-se àquilo que encontra de melhor em si mesmo e se concentre nisso. Ainda que tenha feito coisas ruins, tomado decisões questionáveis, merece uma chance de se redimir disso como qualquer outra pessoa.

– Não tô sendo honesto com o meu parceiro.

– Primeiro de tudo, precisa ser honesto com você. Ele está disposto a te aceitar, aceite o que ele oferece.

Kai estava mesmo disposto. Ele insistiu que eu ficasse no apartamento dele e fazia de tudo pra me ajudar. O lance com os mangás estava em vias de produção e tudo parecia promissor demais para ser verdade. Eu deveria estar feliz, mas a culpa e o medo continuavam me cutucando, como se eu merecesse que, quando estivesse prestes a chegar em casa, meu pai estivesse lá, me esperando com os punhos fechados.

– Até a próxima semana, doutor. – Despedi-me e deixei o consultório. Kai me esperava, como sempre. Era irritante e gostoso tê-lo por perto. Irritante porque ele parecia vigiar meus passos, gostoso porque, bem, Kai era gostoso, ponto final.

– Tudo bem? – Ele me deu um selinho. Ele não se importava em fazer isso na frente dos outros e isso era surpreendente.

Tudo em Kai me surpreendia a cada dia. Ele era tão maduro, tão focado e perfeito em tudo que eu me sentia cada vez mais imbecil perto dele. Me perguntava se sempre foi assim, por isso o infernizava tanto na escola.

– Depende. Hoje consegui me abrir mais.

– Que bom, meu amor. Fico feliz com isso.

Sempre que ele mandava esse "meu amor" eu sentia minha barriga derreter. Rolava uma vergonhinha idiota misturada a um deleite que me deixava com vontade de transar.

Indestrutível (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora