16 - Inferno Congelado

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Gustavo

– Seria importante se você conseguisse me contar sobre seus pesadelos, Gustavo.

O Dr. Garcia me encarava com seu semblante de velhinho do KFC, achando que isso me convenceria a colocar para fora minhas questões emocionais. Patético. Ele, melhor do que ninguém, devia saber que esse ar paternal só servia para me empurrar ainda mais para o fundo do fosso das minhas emoções enterradas. Ali, no buraco onde habitavam meus sonhos massacrados, não havia nada além de escuridão, engradados de cerveja e... baratas.

– Não me lembro dos sonhos. – Murmurei.

– Certo. Você já sabe como fará quando sair daqui? Conversou com alguém? Enquanto sua visão não retornar, é imprescindível ter ajuda. O hospital oferece um grupo de apoio para pessoas com o seu quadro.

– Não preciso. Já tenho ajuda.

Era mentira. Eu estava fodido, mas não queria admitir. Eu até tinha aprendido umas paradas com a Alice, sobre ajustar meu celular para determinados tipos de deficiência (ainda era difícil para mim falar sobre cegueira parcial), então eu conseguia fazer a maior parte das coisas com comando de voz. Eu podia pedir comida, transporte e outras paradas.

Se eu tivesse dinheiro sobrando.

Como eu não era herdeiro (nem do meu próprio pai, que nunca chegou a me registrar como filho, então, quando morreu, tudo ficou para os parentes da outra família) não havia uma fortuna escondida que eu pudesse usar para sobreviver daqui há um tempo. No momento, eu tinha o suficiente para sobreviver a um mês, pagar um aluguel, e nada mais.

Se eu fosse um assalariado, talvez pudesse contar com algum valor da Previdência Social. Mas eu não era, portanto, não havia ajuda do governo para mim. Ninguém fazia nada por empreendedores, autônomos ou aventureiros.

Cheguei a ligar para algumas agências que me fotografavam. Pediram que eu me recuperasse totalmente antes de qualquer coisa. Eu tinha cicatrizes no corpo e tal, e nem apelando para o fato de eu ser um sobrevivente da tragédia que dominou a mídia nos últimos dias, consegui convencer alguém a me ajudar.

Pensei em gravar uns vídeos para o TikTok contando minha história, mas não tive coragem. Seria muito humilhante e minha autoestima já estava massacrada o suficiente para que eu me submetesse a tal prática.

Enfim, era sair do hospital e ficar sozinho por um tempo, tentando descobrir como levar as coisas caso minha visão não se restabelecesse. Eu estava apavorado, mas eu era um sobrevivente. Literalmente. Suportei dias sem fim num buraco quando adolescente, sobrevivi por três dias soterrado debaixo de uma boate destruída, e enfrentei uma vida inteira como um filho que nunca existiu. Eu podia lidar com o resto.

– Bem, Gustavo. Espero que retorne daqui há 15 dias para uma conversa. Você já está liberado.

Levantei-me da cadeira lentamente. Eu tinha umas dores por dentro, por causa das lesões, mas dava para levar de boa. Já tinha passado por coisas bem ruins, principalmente quando meu pai estava inspirado.

Segui pelo corredor. Eu recusei ajuda para chegar à saída; esclareci que precisava me virar para me acostumar. Alice riu quando eu disse a ela que era melhor se eu me acidentasse dentro do hospital do que na escadaria do lado de fora, então ela me orientou sobre as linhas no chão que me levariam aonde eu quisesse ir, e lá fora, como eu podia seguir as faixas amarelas nas calçadas destinadas a deficientes visuais. Ela sugeriu que eu usasse um bastão, mas também recusei.

Talvez eu aprendesse a deixar o orgulho de lado quando desse com a cara numa parede aleatória.

Por falar em parede, eu andava rente a uma, seguindo a linha de cor específica no chão. Eu só via vultos, mas dava para notar o contraste do tom verde escuro contra o piso claro. Eu só precisava seguir aquela linha que me levaria até a saída, então pediria um Uber que me ajudaria a embarcar e desembarcar.

Indestrutível (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora