Epílogo

223 30 13
                                    

Kai

Seis meses depois...

Seu público não passava de uma multidão de adolescentes espinhentos. Era engraçado de ver pois ele se parecia um deles, sem as espinhas. Claramente boa parte da molecada que os cercava estava lá também por causa do biotipo loiro e peitudo que Lílian exibia, além de seus desenhos absurdamente impressionantes, mas havia uma admiração inegável pelo cara que criara as histórias.

Muitas garotas também cercavam o "casal" criador das Aventuras de Gia. Os mangás haviam feito um sucesso estrondoso e agora, Gustavo e Lílian eram famosos. Há uma semana, haviam inaugurado um canal no Youtube onde promoviam entrevistas, dicas e atualizações sobre o mundo dos mangás. Gustavo fazia um sucesso imenso com seu humor ácido e debochado e Lílian não ficava nada atrás com seu sarcasmo exacerbado.

Eram um sucesso. Os dois brilhavam ali, no meio dos adolescentes e jovens que haviam encontrado naquelas histórias muito de si mesmos, seus lados inseguros, traumatizados, seus sofrimentos e incertezas, pessoas que viram a si mesmas em Gia, a guerreira trans que superava os fantasmas do medo, da dor e da falta de liberdade representados metaforicamente em vilões mascarados.

– Vai ficar só olhando? – Meu amigo Joaquim, terapeuta do Gu, estava parado ao meu lado enquanto eu observava a tarde de autógrafos naquela livraria abarrotada.

– Muita gente para tentar chegar perto – respondi, sorrindo. Gustavo me olhou por cima de um ruivo que o contemplava com devoção e sorriu. Achei que o moleque ia babar na mesa.

– Ele está conseguindo, não?

– Está. Nunca duvidei que conseguiria.

Lílian também me olhou e sorriu. Naquele instante, pensei que não havia nada mais precioso para mim do que meu homem e a minha amiga de infância realizando seus sonhos bem diante dos meus olhos. Senti meus olhos úmidos e desenhei um "eu te amo" para o Gustavo, que fez um movimento com a língua que sempre me deixava maluco: lambeu o lábio inferior, na frente de todo mundo.

Obviamente não foi apenas eu que suspirei.

Ele era o retrato do cara fodão que todo o moleque sonhava em ser. Jamais imaginariam tudo o que ele passou. Eu mesmo jamais havia imaginado. Mas estava ali, reconstruído e fortalecido. 

Eu conhecia seus remendos, mas eram lindos como os vasos japoneses submetidos ao Kintsugi*. Tudo nele brilhava agora em sua melhor versão. Um vaso cujos remendos eram tão bem valorizados e destacados jamais poderia ser destruído, e eu me contentava em viver à sua sombra reconfortante. Ali era o melhor lugar, de onde podia ver as imperfeições e restaurá-las a meu modo. Quando minha luz selava suas ranhuras, nada podia brilhar mais forte.

Horas mais tarde, depois que me despedi de Lílian, Gustavo me puxou para um abraço. Muitos fãs ainda circulavam pela livraria e sacaram seus celulares para filmar a cena. 

– Gu... Aqui não!

– O que foi, Meo? Tá com vergonha de mim?

– Seu lance com a Lílian é sua melhor ferramenta de marketing. Precisa manter as aparências.

– Que coisa idiota de dizer, Meo! – Ele pareceu genuinamente irritado – ferramenta de marketing o caralho! – E para minha surpresa, me deu um beijo na boca, na frente de todo mundo e, principalmente, das câmeras que em minutos estariam pulverizando o mundo com nossa intimidade.

Agora não tinha mais volta.

Não era de surpreender. Gustavo era o cara mais anticonvenções que existia. Nada nele jamais seria normal, padrão ou tradicional.

– Minha personagem é uma garota trans, dã! Para de ser tonto, Kai!

Ouvi alguns risos em volta. Olhei para os rostos que nos encaravam com seus celulares em riste. Sorri para eles, depois sorri para o Gu.

– Tá certo. Vem cá, meu idiota favorito.

E o beijei sob aplausos e assobios. Até podia imaginar minha mãe agora derretendo de descontentamento por testemunhar minha liberação emocional. 

Desculpe, mãe. Se esconder é uma merda. Se privar, pior ainda. Depois que minha luz brilhou sobre o Gu, nunca mais conhecemos a escuridão. É o que é e...

Fim.


*Kintsugi é uma arte japonesa que data do século 15. Consiste em reparar vasos quebrados com uma laca especial misturada com pó de ouro, prata ou platina. As rachaduras são destacadas em vez de escondidas, celebrando a história e as imperfeições do objeto.

Indestrutível (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora