21 - Amigo

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Kai

Pois é. Eu estava puto com o Gustavo. Não era de surpreender, afinal, ele sempre teve esse poder, de me infernizar e ferrar com minha mente.

Mais cedo, havíamos dividido um momento bacana, algo para guardar na memória e, o que seria de esperar entre duas pessoas saudáveis e adultas que acabaram de se descobrir e se entregar, compreender a nova natureza dessa relação e, talvez, repetir a experiência.

Contudo, Gustavo estava longe de ser uma pessoa saudável. Quando jovem, eu não podia notar seu comportamento dissimulado e evasivo; eu não percebia que ele usava aquela fachada de popular fodão para esconder sua verdadeira natureza. Ele maquiava seus traumas com sarcasmo e deboche e tentava se mostrar superior, mas na verdade, ele era apenas um garoto ferido.

Quando ele mandou aquela de que tinha que ir embora, eu fiquei arrasado. Depois de tudo o que havíamos passado, o desastre, as semanas no hospital, os dias em que dividimos o apartamento e vivemos momentos de pura cumplicidade, ele me vinha com aquela lorota de que ele e o cachorro estavam me dando trabalho, e o pior, mencionou a Lílian, um assunto que ainda era delicado para mim.

Fiquei tão irado que quase o joguei porta a fora e fiquei com o cachorro!

Eu ainda estava sensível pelo rompimento do meu noivado. Foram oito anos de relacionamento entre amizade, namoro e noivado. Não era algo de se jogar fora, ainda mais por algo tão incerto como minha história com o Gustavo.

Lílian não levou de boa. Ela não aceitou, nem quando esclareci que estava confuso acerca da minha sexualidade. Ela não era de absorver recusas, não se daria por vencida tão cedo, então seguia insistindo, ligando, mandando mensagens que eu respondia porque a respeitava demais para simplesmente a ignorar.

Ainda a amava, de um jeito diferente, mas amava. Mesmo assim, eu precisava me afastar. Eu precisava entender onde minha mente e meu coração se ancoravam agora, e fiquei tentando me convencer de que o fim era certo, mesmo que Gustavo não tivesse ressurgido na minha vida.

Mas ele ressurgiu. Passou por cima de mim como uma locomotiva carregada de memórias esquecidas, ressuscitando experiências regressas como alguém que entra no quartinho do entulho e começa a jogar tudo para fora a fim de limpar a bagunça. Era como abrir aquele álbum de fotografias e ser transportado para seus melhores e piores momentos, e reanalizá-los com uma nova ótica.

Não éramos mais crianças, ou moleques. Eu sabia o que estava fazendo, onde estava me metendo, mas tinha a impressão de que Gustavo continuava perdido, como no último bimestre do terceiro ano. Era como se sua vida estivesse estagnada, então ele parecia transitar de um buraco a outro; um abismo seguido de outro abismo.

Era o que ele iria fazer, certamente. Ele iria sair do meu apartamento para se afundar em autocomiseração como alguém que tinha a maturidade emocional de um adolescente de 17 anos. Ele ia agir como um imbecil e eu não duvidava nada que ele ia fazer alguma merda, como beber ou se drogar.

Seu quadro todinho gritava isso. Eu tinha acompanhado seus exames, seus sintomas de abstinência enquanto internado e por isso sabia o quanto ele havia sido displicente consigo mesmo nos últimos tempos.

Então, sim. Quando ele disse que iria embora, eu fui um cavalo estúpido. Me esqueci completamente que era médico e fodi seu corpo sem nenhuma preocupação, porque queria marcá-lo. Eu queria que ele entendesse que não podia vir e fazer o que havia feito comigo e depois sair andando assim, partindo da minha vida como se eu fosse um ninguém, um idiota sem sentimentos.

Nós tínhamos uma história, caramba! Ele devia ter levado isso em conta!

Então, depois do meu rompante, eu o vi ali no sofá, com a cara virada, o corpo vermelho e marcado, e o arrependimento começou a bater. Em toda a minha vida, eu nunca havia perdido o controle desse jeito. Eu aprendi com minha mãe a suprimir meus impulsos e minhas emoções, e eu tinha acabado de fazer exatamente o oposto, como se uma porteira tivesse se escancarado e uma manada de emoções ensandecidas se atropelassem prontas para pisotear quem estivesse no caminho.

Indestrutível (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora