Através Do Espelho

Capítulo 35: Uma noite de confissões.

“Não há nada mais gratificante do que o afeto correspondido, nada mais perfeito do que a reciprocidade de gostos e a troca de atenções.” —(Cícero)

Tudo estava seguindo como deveria ser. Emma teve que deixar temporariamente o estúdio de dança do mundo espelhado, onde dava aulas. Foi difícil para ela ver os rostinhos tristes de seus pequenos alunos ao saberem que ela teria que sair também. Mas Emma prometeu que voltaria assim que as coisas na fábrica se resolvessem, e enquanto isso, sua avó cuidaria das aulas até que ela pudesse retornar. E quando voltasse, retomaria os ensaios para as próximas apresentações.

— Estamos tristes por ter que nos deixar, professora. — disse amargamente a pequena Luna García, que adorava a professora Ester. — Mas todos nós estaremos orando ansiosamente para que você resolva logo seus problemas e possa voltar para nós, querida professora. — A garota tinha um semblante melancólico, mas também um olhar firme para Emma, querendo mostrar que era forte o suficiente para aceitar temporariamente a saída da professora.

— Ah, Luna! Agradeço de coração a todos vocês, meus queridos companheiros de dança. — Emma ajoelhou-se no chão para ficar na altura das crianças e abraçá-las. — Com certeza voltarei e prepararei todos vocês para uma apresentação que faremos na fábrica da minha família assim que resolvermos os problemas atuais. Estarei intercedendo para que isso aconteça logo e todos possam se alegrar com nossa coreografia. — Emma discursou e em seguida todos na sala, inclusive sua avó, abraçaram coletivamente a maravilhosa professora.

Emma sabia que alguns daqueles rostinhos infantis eram filhos e filhas de empregados da fábrica, especialmente aqueles que conseguiram bolsas para entrar no estúdio com a ajuda de sua avó , Isabel Lemon.

.....

Dois dias se passaram desde que Emma deixou o Prime Baile. Ela passava horas do dia tentando resolver a situação da fábrica com sua mãe, com o Sr. Bunny em segredo, seu irmão e amigos. Louis e Lorenzo já haviam ido e voltado da França para participar, juntamente com suas famílias, do jantar na casa dos Martinez em comemoração à abertura da floricultura da mãe de Lisa. Os dois haviam conseguido algumas pessoas que poderiam ajudar no processo de provas e também obtiveram mais algumas documentações importantes. Pelo menos, tinham essas pequenas vantagens.

Emma estava imersa na leitura do livro “Jane Eyre” e havia chegado a uma parte em que a protagonista dizia: “Eu me lembrava de que o mundo real era vasto, e que por uma quantidade enorme de esperanças e medos, de sensações e emoções, estava à espera daqueles que ousassem sair por ele agora, buscando, em meio aos seus perigos, o verdadeiro conhecimento sobre a vida.”

Aquela frase ressoou profundamente em Emma, que marcou a página e refletiu sobre a vida triste e opressiva de Jane quando criança, a dor e a rejeição que ela sofreu de sua própria família. Ao mesmo tempo, Emma se alegrava ao pensar na coragem, ousadia e graciosidade da personagem, que representava força, determinação e uma personalidade envolvente, em contraste com os padrões burgueses que prevaleciam na sociedade da época, o mesmo período em que Emma estava vivendo do outro lado do espelho.
Seria ela tão forte quanto Jane? Forte o suficiente para resistir aos problemas que, embora diferentes dos da personagem, eram igualmente difíceis.

Ainda concentrada, Emma sentiu o velho formigamento em suas pernas, sabendo que seu tempo naquele mundo havia chegado ao fim, pelo menos por enquanto. Em questão de segundos, ela estava em frente ao espelho, tocando-o com seus dedos finos. Assim, mais uma vez, ela estava em seu pequeno, porém confortável, quarto no ano de 2018.

— Espero que fique tudo bem lá enquanto eu estiver aqui... — pensava Emma, olhando para seu próprio reflexo no espelho do guarda-roupa.

Nesse momento, sua avó entrou no quarto com um semblante preocupado, pois a garota ainda não havia descido para a refeição da noite.