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Marina

Encarei meu reflexo e respirei fundo, contando até vinte mentalmente de olhos fechados. Ao abrir os olhos e com a respiração já controlada eu pude notar o estado que eu estava pós crise, rímel borrado, braços arranhados e mãos machucadas pelas unhas. Meu coração já não estava acelerado e o meu corpo não estava mais em estado de alerta, mas ainda tremia um pouco. Estava enrolada na toalha com corpo e cabelo úmido de água gelada, uma dica para auxiliar em momentos de crises meu que eu descobri junto da minha terapeuta são banhos gelados, e funcionou mais uma vez. Não teve um motivo específico a crise, ela só veio do nada e se iniciou com uma sensação de culpa ( mas de que? ) e vontade de chorar, e ao perceber eu me isolei. Eu prefiro ficar sozinha nesses momentos.

Me sequei e passei meu creme favorito e também meu perfume que é o mesmo desde que eu era adolescente. Uma coisa que eu nunca percebi era o quão estranho era o fato de eu nunca ter mudado de perfume, apesar de ter experimentado outros, eu fico com esse por causa das memórias boas que ele me traz. Vesti um short confortável e uma blusa manga longa, penteei meu cabelo e sai do banheiro já recuperada e bem visivelmente. A casa do meu pai tá em festa e não é para menos, Heitor chegou hoje!

── Tava onde? — Ríos perguntou após eu voltar para onde todos estavam.

── Tomando banho.

── Você não tá bem, por que tá de manga longa nesse calor?

Porque meus braços estão arranhados e como eu sou branca e também tenho unha grande, está marcado e todos vão perceber e entender o que aconteceu e eu não quero ninguém preocupado, cacete.

── Ela é levinha, tecido fino e gelado, as duas blusas de calor que eu trouxe uma tá suja de vômito do Bernardo e a outra tá imunda de terra depois da brincadeira da Helena.

Ele me encarou por alguns segundos e parecia estar pensando. O foda é que ele me conhece ao ponto de saber quando eu minto.

── Por que tá mentindo para mim?

── Richard, eu só fui tomar banho e troquei de roupa, cacete, tá se preocupando atoa! — Falei sem fazer contato visual e notei meu pai com Helena no colo. Ela é o xodó dele!

── Ok, se quiser conversar você sabe que eu vou te ouvir. — Desviou o olhar do meu rosto.

Eu só fiquei em silêncio, ele sabe que eu tô mentindo mas não quis tocar mais no assunto para não ser invasivo, creio eu. Me abaixei ao ver minha filha correr para mim e a peguei no colo, sentindo a paz se instaurar dentro de mim.

── Já conheceu seu primo? — Perguntei.

── Sim, ele é fofo. — Falou mexendo no meu cabelo, essa mania ela herdou do pai dela. ── Por que tá molhado?

── Porque eu tomei banho, danada.

── E por que você tomou banho?

Ah, a fase das perguntas.

── Porque sim!

── O papai disse que porque sim nunca é resposta. O que é palermo?

── Onde você ouviu isso?

── A dinda Duda chamou o tio Jorge assim. — Contou me encarando e eu ri sem perceber. ── O que é saco de pancada?

── Quem chamou quem de saco de pancada, filha? — Perguntei ajeitando o projeto de cacho dela atrás da orelha.

── O papai riu quando a dinda chamou o namorado dela daquele jeito, aí o Jorge chamou ele de saco de pancada de mulher. O que é isso? — Tombou a cabeça para o lado e novamente eu dei risada.

── Era uma vez minha moral. — Ríos resmungou do meu lado e deitou sua cabeça no meu ombro.

── Quem manda você ficar rindo dos outros, vida?

── Ah, mas foi engraçado, tá? Você e a Duda inventam cada xingamento que parecem que saíram dos anos noventa. Sua unha quebrou?

── Minha unha quebrou? — Perguntei levantando a mão e vendo que sim. ── Ah, car... — Parei ao lembrar que Helena estava junto. ── Camomila! Mas é fibra, como que quebra assim?

── Helena, vai lá ver se a Cecília quer brincar. — Richard falou com seriedade e ela foi. ── Levanta a manga da blusa!

── Tá ficando louco? — O encarei. ── Levantar a manga da minha blusa por que?

── Porque a sua mão tá toda arranhada e você tá de blusa de frio em um calor desgraçado e tua unha quebrou. — Falou pegando meu braço e puxando uma parte da manga, deixando a mostra os arranhões e em seguida abaixou e me encarou. ── Sério, Marina? — Eu suspirei.

── É, é sério. Eu não trouxe meus remédios, Richard, eu tive uma crise que foi feia e eu não controlo quando isso acontece, foi por isso que eu demorei, eu tava tomando banho para tentar fugir disso.

── Por que não me chamou? Nós somos um casal, deveríamos estar juntos na hora boa e ruim mas você tá distante para caralho emocionalmente. Até pouco tempo atrás você dizia que eu era seu ponto de paz e sempre ficava comigo em momentos assim até passar, você precisa de alguém perto para evitar que isso aí aconteça!

── Eu não controlo! — Rebati no mesmo instante, sendo sincera. ── Até pouco tempo eu gostava de te ter por perto nesses momentos mas agora eu sinto a necessidade de ficar sozinha, só isso! Não é nada pessoal.

E é verdade! Eu não sei quando, como ou porque ele deixou de ser meu refúgio. Ele realmente era presentes durante todas minhas crises desde o diagnóstico é sempre me ajudou a evitar que isso acontecesse, mas eu gostava de ter ele perto, talvez pelo grau de evolução ou algum fator que eu desconheço mas agora eu só sinto a necessidade de ficar sozinha durante esses momentos até passar.

── Eu tô preocupado com você, você não tá nada bem faz tempo.

── É, eu não tô, mas eu tô conseguindo lidar com isso!

── Não, Marina, você não tá e é isso que me preocupa!

dizeres, richard ríos. Onde histórias criam vida. Descubra agora