II.

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"oi, amaury
pode escrever de letra normal nos post-its? eu não consigo entender sua letra de mão, parece receita médica e não dá pra ir na farmácia toda vez pra eles traduzirem pra mim.
bjos diego."

"combinado."

· .  

Diego tinha duas gavetas e uma parte do guarda-roupa, tinha também uma prateleira no banheiro, e seu lado da cama era o direito. Havia um baú no rodapé da cama, onde ele guardava seu lençol, travesseiro e cobertor. Não era porque dormiam em horários alternados naquela cama que deveriam dividir também as roupas de cama. Diego não se importava com isso, mas Amaury parecia se importar, já que dona Fátima comentou que Amaury é meio bitolado com limpeza.

Mas Diego tinha outro espaço, um que encontrou e julgou ser seguro: embaixo da cama. Ele guardou tudo lá em uma caixa grande — suas maquiagens, as laces, as roupas que Larissa criou para ele. Tudinho. Imaginou que não haveria problema se Amaury visse, mas não queria arriscar. Era uma parte dele sobre a qual não estava acostumado a falar e, sinceramente, não conhecia bem seu anfitrião. Dona Fátima havia dito que não haveria problema algum em guardar no guarda-roupa, mas assim que a senhora saiu, ele correu e escondeu tudo.

Não queria dar motivos.

Eles passaram a se comunicar via post-it, na geladeira, às vezes no micro-ondas, às vezes na TV quando eram importantes. Diego não tinha o contato de Amaury e não queria pedir. Era muito contato, e apesar do atraso de um dia para as respostas, os post-its estavam funcionando bem.

Gostaria de manter assim. Sem riscos desnecessários.

· .

"oi, amaury,
acho que você esqueceu de pagar a conta de luz,
mas eu paguei, espero que não se importe.
bjos diego."

"obrigado."

· .

— Ele é bem legal.

Foi tudo que Samuel falou quando Amaury perguntou como era a pessoa que, do nada, passou a ser a favorita de dona Fátima.

Samuel, neurocirurgião, melhor amigo e vizinho de Amaury. Também fofoqueiro nas horas vagas, observava tudo que acontecia pelo olho mágico quando deveria estar dormindo ou de plantão.

Estavam no Sujinho, uma padaria na Consolação que era aberta vinte e quatro horas e atendia médicos famintos no meio da madrugada. A vida de Amaury virou de cabeça para baixo e ele sequer tinha tempo de preparar marmita para os plantões.

— Legal como?

— Ele é bem legal ué, diferente de você. Ele ri alto, é muito comunicativo, veste roupas coloridas e conversa muito com os funcionários da limpeza do condomínio.

Amaury revirou os olhos.

— Vai me dizer que ele conquistou até aquela senhorinha que sempre nos julga quando chegamos de manhã?

— Sim, outro dia ele estava ajudando ela a recolher os lixos.

O doutor Lorenzo não tinha muitas informações sobre seu colega de apartamento, e dona Fátima parecia não querer passar nenhuma informação, dizia que ele tinha que conhecer Diego e que era falta de educação o que ele estava fazendo, apenas respondendo os post-its do garoto como se fosse obrigado a se comunicar.

"Eu-sou-sua-mãe-não-teste-minha-paciência" foi o que ela disse quando Amaury falou que não, não ia conseguir conhecer Diego ainda, não tinha tempo para isso. E sinceramente, não fazia tanta diferença assim, não é como se fossem virar amigos ou algo do tipo.

quinto andar | dimauryOnde histórias criam vida. Descubra agora