VI.

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Samuel e Amaury estavam na lanchonete do hospital. É válido dizer que a lanchonete de um hospital — esta era reservada apenas para a equipe — era o lugar de descanso dos médicos, enfermeiras, equipe administrativa, todos que passavam horas e horas cuidando de pessoas.

Ou seja, um lugar de silêncio, de descanso.

Mas, naquele dia, se tornou o cenário que Amaury se lembraria para sempre. Samuel estava com o Instagram aberto, com a tela do celular virada para Amaury. Um perfil do Instagram estava aberto:

di_egomartins.

E lá estava ela, no flyer do dia em que Amaury foi a KatKlub e, bem, acabou ficando com ela.

O doutor Amaury Lorenzo teve um pequeno delay e demorou a perceber que aquela drag queen era, na verdade, seu colega de apartamento. Eram a mesma pessoa e, olhando com calma para as outras fotos no perfil, não tinha como negar. Por trás de toda a maquiagem e lace, estava Diego Martins, este que ele nunca tinha visto pessoalmente sem estar montada, pois, se tivesse visto, o baque seria maior. Ele tinha certeza disso.

Samuel aguardou pacientemente até que Amaury montasse as peças desse quebra-cabeça.

— VOCÊ TÁ BRINCANDO COMIGO?!

O doutor Amaury Lorenzo, respeitável e sério, sempre centrado, uma referência em atendimento ao trauma e cirurgia geral, gritou no meio da lanchonete, cobrindo o rosto entre as mãos, com os cotovelos na mesa.

— Cara, fala baixo!

— Samuel, que droga é essa?

— Não fala assim dele! Ou dela! Ai, não sei...

— Como...?

Amaury bebeu do seu café com leite, tentando entender o que tinha feito para merecer isso. Quais eram as chances? Sinceramente, não fazia sentido.

— Eu tentei te avisar, mas você trabalha demais, cara! — Samuel guardou o celular. — No dia que a gente foi lá, de manhã, quando cheguei no condomínio, eu vi ela entrando montada. Não foi difícil perceber quando ela entrou no apartamento de vocês.

— Não é novidade que ele se monta, eu já sabia, só que... — Amaury apertou o nariz, numa careta. — Eu sou péssimo, cara.

— O quê? Por quê?!

— Ele deve achar que eu sou um sem vergonha! Ele sabe que era eu? Será que... Ai meu Deus, isso é péssimo! Ele vai querer sair do apartamento, eu tenho certeza.

— Primeiro, para de surtar! Segundo, não tem como ele saber que era você, mas ele vai saber quando aparecer lá, então... — Samuel estava tentando muito não rir, mas explodiu em uma risada alta demais. — Cara, isso vai ser muito engraçado!

Muitos cenários passavam pela cabeça de Amaury, e um deles era que Samuel definitivamente era um péssimo amigo. Outro era Diego entregando o apartamento assim que o visse. Ele poderia fingir que não reconheceu Diego e dar uma de doido.

Simplesmente. Deixar com Diego a decisão do que fazer sobre tudo, pois com toda certeza ele seria reconhecido por Diego, mas podia fingir que não reconheceu o rapaz.

— Vou me fazer de louco. — concluiu, ignorando o amigo que ainda ria. — Vou fingir que não reconheci ele e se ele achar que é uma boa que a gente fale sobre isso, tudo bem.

— Mas e se ele não falar nada?

— Será um alívio, sinceramente. — escorregou na cadeira. — Ou eu posso desmarcar. Samuel, eu vou desmarcar!

· ✧ .

— A gente sabia que isso ia acontecer uma hora ou outra.

Diego estava no FaceTime com Larissa, Lennon e Bruno. Andava pelo apartamento de um lado para o outro, e sabia que não ia conseguir dormir nada naquela noite, pois de manhã Amaury estaria ali. Ele se preparou para o que ia acontecer, deixou sua mochila pronta caso fosse expulso assim que o doutor descobrisse que ele, na verdade, era ela também.

quinto andar | dimauryOnde histórias criam vida. Descubra agora