epílogo.

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DOIS ANOS DEPOIS

Deveria ser o post-it de número mil, ou até mais, numa sequência que foi deixada na janela do apartamento durante uma semana corrida entre shows e cirurgias. 

"oi maury,
o corretor ligou, ele pediu pra gente ir lá no sábado ver o apartamento. ele disse que não tem nenhum disponível no andar que queremos... acho que não gostei disso, pra ser sincero.
bjoos, diego."

"se não tem nenhum apartamento no quinto andar daquele prédio, então a gente não quer. vou falar isso pra ele.
amaury, o amor da sua vida inteira."

"oi mauryzinho,
tá, mas não precisa ser tão você, ele não tem culpa que não ter. seja gentil com o corretor, o último ficou assustado amor, é só um apartamento no quinto andar. 
bjoos, diego."

"pode deixar, serei um doce. e num é só um apartamento no quinto andar, é o nosso. eu vou falar com ele , deixa comigo. 
amaury, teu homem."

"oi amorzíssimo,
ESQUECE, DEIXA QUE EU FALO COM ELE! amor, eu falo com ele, eu sei exatamente como você vai falar então deixa que eu falo tá amor da minha vida todinha, pode deixar.
bjoos, diego."

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· ✧ .

Amaury estava vendo algo no notebook, sentado à mesa da cozinha. Mas, assim que Diego apareceu no corredor após o banho, ele fechou o notebook com tanta força que fez um baque surdo.

Diego estreitou os olhos, encarando o marido.

— O que você está vendo aí?

— Nada.

Amaury engasgou, olhou do notebook para Diego e de Diego para o notebook. Queria disfarçar melhor, mas nunca foi bom nisso.

— Você mente mal, vida. É uma das coisas que mais amo em você.

Diego se aproximou, sentando-se à mesa. Ele puxou o notebook devagar, e Amaury tentou puxar de volta, mas Diego lhe lançou um olhar tão assertivo que o doutor apenas afastou as mãos, encolhendo os ombros.

Diego abriu o notebook e digitou a senha. A página aberta era muito específica. Ele demorou alguns minutos para ler e entender do que se tratava.

"O passo a passo da adoção no Brasil:
como adotar uma criança no país. Você sabia que, para adotar uma criança no Brasil, é necessário passar por um processo judicial dividido em etapas? Entenda como funciona esse procedimento e quais são as etapas até a conclusão da adoção."

A outra aba aberta era do ECA, o Estatuto da Criança e do Adolescente.

Amaury estava tão nervoso que roía as unhas, Diego nunca tinha visto o marido assim antes.

— Olha, eu sei que não falamos sobre isso antes, e está tudo bem se você nunca quiser ser pai. Mas eu... eu queria saber se temos chance. Sabe, um dia...

— Claro que temos chance. — Diego conseguiu sorrir, tirando a mão de Amaury da boca como se faz com uma criança. — Deixa eu ver...

— Ver o quê?

— Espera aí... — o menor rolou a página da internet, procurando os requisitos que um casal deve ter para participar do processo de adoção. — Ser maior de 18 anos e ter, no mínimo, 16 anos de diferença em relação à criança ou adolescente que se pretende adotar... Bom, temos isso. Ter estabilidade familiar e financeira? Temos também.

— Espera, o que você...

— Não ter antecedentes criminais? Não temos. Ser avaliado positivamente em um estudo social e psicológico? Temos um bom psicológico até, acho que passamos nesse. Se falarmos com a nossa psicóloga, talvez ela nos ajude também.

— Diego?! — Amaury chamou, tirando a atenção do menor do notebook.

— O que foi?

— O que você está dizendo é o que eu acho que está dizendo?

— Que eu tô pronto pra ser pai com você?

Amaury prendeu a respiração. Ele assentiu.

— É isso que está dizendo, pequetito?

— Meu amor... — Diego se aproximou, segurando o rosto do maior entre as mãos. — Eu sempre quis ser pai, sempre mesmo. Eu só não achei que estaria pronto um dia, mas com você... meu Deus, eu tô muito pronto pra isso.

— Diego... — o doutor beijou a palma da mão de Diego, que agora afagava sua barba cheia. — Eu te amo demais...

— E eu te amo mais ainda. — Diego deu um selinho nos lábios do maior. — O que acha da gente falar com nosso advogado, Bruno Boer, pra ter mais detalhes amanhã? Não é a especialidade dele, mas acho que ele sabe o que fazer... E eu acho que...

Diego começou a falar sem parar, rolando a página da internet e abrindo outras inúmeras abas. Ele falava sobre como seria incrível se conseguissem e que definitivamente precisavam entrar em uma rotina, já que haveria visitas da assistente social em casa. Ele dizia isso como se já tivessem avançado várias etapas no processo, quando, na verdade, mal haviam começado.

Amaury o observava sem entender em que momento mereceu tanto.

Parecia que Diego já tinha conversado sobre aquilo mil vezes, quando, na verdade, eles nunca sequer tocaram no assunto. A vida simplesmente seguiu, e esse detalhe muito importante ficou de lado. Mas agora, com Diego tão empolgado, parecia que tudo havia sido planejado há séculos.

Num apartamento na capital paulista, localizado no quinto andar de algum condomínio por aí, uma família havia nascido há algum tempo e agora aumentaria. 

Porque o amor deles transbordou tanto a ponto de desejarem, desesperadamente, mais.

Como deveria ser. 

F I M

quinto andar | dimauryOnde histórias criam vida. Descubra agora