IV.

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"oi amaury,
o vizinho, samuel, deixou uma caixa de
remédio aqui, eu deixei ela no quarto.
você contrabandeia medicamentos?
por acaso tem algo pra me ajudar a dormir?
bjos diego"

"tem melatonina no armário,
tome um comprimido apenas antes de dormir e fique longe do celular por um tempo,
leia alguma coisa para higiene do seu sono
amaury."

· .

Às oito da manhã, Amaury já estava de pé para seu primeiro turno. Era sábado, e como não é novidade nenhuma, chovia bastante em São Paulo.

Aos sábados, quando não tinha plantões no hospital, ia para a zona sul de São Paulo trabalhar como voluntário em um abrigo para idosos. A ONG o hospedava por três noites, e ele acompanhava a rotina dos internos. Ali, ele atendia idosos em situação de vulnerabilidade extrema. Muitos deles haviam sido abandonados pelas famílias ou simplesmente não tinham ninguém no mundo.

Pessoas que precisavam de cuidados médicos.

Ele passava o fim de semana junto com a equipe voluntária e funcionários, examinando e prescrevendo remédios, renovando receitas e dando instruções. Aquela unidade ficava mais afastada de onde morava, mas havia outras que ele revezava durante o mês quando não tinha plantões no hospital.

Naquele dia em especial, ele sentiu que ele mesmo precisava de prescrições médicas. A cabeça latejava. Havia dormido apenas quatro horas, e não foi um sono tranquilo, visto que estava mais agitado que o normal.

A aventura da noite anterior lhe custou a paz do dia seguinte. E para completar, o que havia combinado com Samuel não havia sido cumprido.

— Você ouviu o que eu disse, por um acaso?

Estava no celular com o neurocirurgião fazia apenas cinco minutos, e não entendia por que tamanha agitação. A ligação falhava e ele só queria entender o motivo de Samuel não ter enviado ainda as doações que o hospital fez para a ONG.

Eram doações de remédios, roupas de frio, cobertores, assim como materiais do dia a dia para a enfermagem. A campanha tinha sido uma mobilização impressionante, envolvendo desde estudantes de medicina até grandes empresas farmacêuticas. Cada contribuição, por menor que fosse, fazia uma diferença enorme na vida dos idosos atendidos pela ONG.

Ele não estava entendendo o motivo da agitação de Samuel e porque ele não estava fazendo o mínimo.

— Amaury, eu preciso que você me ouça!

— E eu preciso que você fale algo que faça sentido! — berrou no telefone. — Onde estão as doações? Precisamos delas aqui! ACABARAM AS SERINGAS, SAMUEL!

Do outro lado da linha, ele ouviu o som de uma porta de carro batendo, enquanto Samuel agradecia a alguém.

— O Uber chegará aí em trinta minutos, ou mais se essa chuva não parar. Mas Amaury...

— Ok. Obrigado. Tchau, Samuel!

— Amaury, espera, cara! — gritou o outro, e ele esperou. — Preciso que me ouça. Lembra da noite passada?

Ele lembrava. Ele lembrava até demais.

— Sei.

— Lembra da drag queen que você perdeu a apresentação?

— Fala de uma vez, Samuel!

— Então, ela é o-

Houve uma pausa longa demais. Amaury esperou por um minuto, tirou o celular da orelha para olhar seu visor, e quando voltou a orelha, tudo que escutou foi um pi. pi. pi.

quinto andar | dimauryOnde histórias criam vida. Descubra agora