A estrada São Paulo-Minas sempre foi perigosa, e Amaury se lembrava de que quase toda vez que ia visitar a família, havia algum acidente na BR-381.
Por isso, sua atenção era redobrada. Diego, ao seu lado no banco do carona, já havia cochilado três vezes e, quando acordava, era sempre porque precisava trocar a música.
Amaury gostava de dirigir. A sensação de conhecer a estrada, com o vidro aberto, sentindo o vento mudando conforme atravessava o estado, era revigorante. Dava a sensação real de férias, e o bônus era ter Diego consigo, as vezes roncando, as vezes cantando.
Mas fofocando? Sempre.
— Deixa eu ver se entendi. — Amaury falou, com os olhos na estrada. — O Lennon e o Bruno moram juntos, mas não estavam namorando?
— Até onde eu sei, não era nada oficial. Tipo, eles não usavam essa palavra, mas ficavam.
Amaury desviou os olhos da estrada por um minuto e percebeu que Diego ficou tímido, quase com as bochechas vermelhas. Que situação familiar.
— E agora eles estão noivos?
— Uhum. — Diego fez que sim. — Que doido, né?
— Claro, claro. Quem faria uma coisa dessas?
Havia tanta ironia na voz do maior que Diego teve que lhe dar um murrinho fraco no ombro.
Amaury estava usando óculos escuros, o que não era uma novidade, e a regata branca marcava seu peito, com os braços enormes estendidos no volante. Era uma visão não tão nova para Diego, mas ele nunca se acostumava com isso, com o quanto o sol deixava a pele de Amaury dourada e o sorriso dele enorme, completamente apaixonante.
No som do carro, começou a tocar Maria Bethânia, e Diego teve quase certeza de que teria um derrame ali, no banco do carona, olhando para Amaury, porque nunca imaginou que o doutor cantasse até ele abrir a boca.
— Aumenta um pouquinho, pequetito. — ele pediu, e Diego o fez. — Mas o seu jeito de me olhar, a fala mansa, meio rouca, foi me deixando quase louco, já não podia mais pensar, eu me dei todo para você...
E ele cantou.
Diego, sentado quase virado no banco do carona, só conseguia pensar no quanto aquele homem cantava bonito. E o quanto ele pertencia a Diego.
A voz rouca, completamente carregada de sentimentos, parecia que ele tinha entendido algo que Bethânia havia dito, algo que só eles entendiam.
— De repente fico rindo à toa, sem saber por quê, e vem a vontade de sonhar, de novo te encontrar...
Uma das mãos que estava no volante buscou a de Diego, enlaçando os dedos e a levando até os lábios, onde Amaury deixou um beijo demorado nas costas da mão do menor.
Amaury sempre amou Maria Bethânia e frequentemente se via sofrendo com as músicas sem saber por quê, já que nunca encontrou alguém para dedicar todas elas. Mas agora, tinha certeza que havia encontrado.
Diego era seu domingo de paz e alegria. Um recado falado, um bilhete guardado, um segredo.
Ao seu lado, Diego estava hipnotizado.
Tinha tanto sentimento dentro de si, quase uma sobrecarga. Não conseguia pensar em nenhuma gracinha para dizer, nada que pudesse ser tão ele a ponto de deixar Amaury sem graça, como ele amava fazer. Não, nadinha veio à mente, porque Amaury o tinha nas mãos por completo.
Ele sentia a entrega, sentia a dedicação, em ações simples, como abrir a porta do carro, passar manteiga no pão para Diego, colocar o celular de Diego para carregar mesmo que Diego não tivesse pedido.
E ele nunca pedia, Amaury apenas fazia.
Fazia porque queria, sem obrigação nenhuma, apenas cuidado, carinho, amor. Fazia de coração, e não pedia nada em troca.
— Foi tudo tão de repente, eu não consigo esquecer... — ele girou o pulso de Diego, passando a língua contra a pele.
Diego suspirou, sentindo o corpo estremecer, e Amaury percebeu, o que o fez soltar a mão pequena apenas para pousar a sua despretensiosamente na coxa ao seu lado.
O menor usava uma calça rasgada e uma camisa larga, laranja. Usava um boné que Amaury notou ser seu. Ele apertou a coxa levemente, subindo a mão, mas logo a descendo até o joelho.
Ele não conseguiu ver, mas pensou ter escutado Diego soltar a respiração quando a mão deslizou para o joelho.
Diego pegou a mão de Amaury e enlaçou os dedos nela, parando-o. Não responderia pelos seus atos se o maior não parasse.
— Chega!
Amaury riu alto, voltando a cantar de forma exagerada e gritando dessa vez, fazendo Diego rir e fingir que tapava os ouvidos.
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A notícia saiu em todos os jornais das regiões de São Paulo e Minas Gerais. O engarrafamento quilométrico dificultava a passagem de carros no trecho. O carro ficou destruído, e a notícia tratava do incidente como um acidente quase fatal.
VÍTIMAS DE ACIDENTE NA BR-381 ERAM UM CASAL;
O CARRO TINHA PLACA DE SÃO PAULO.O acidente de trânsito, ocorrido no sábado, dia 17 de agosto, comoveu a região devido à gravidade da colisão e à popularidade de uma das vítimas de 38 anos, um médico muito conhecido que atendia há anos em diversas cidades e Consórcios de Saúde. O acidente foi classificado como uma colisão com objeto fixo (mureta de concreto) seguida de capotamento. O veículo de passeio envolvido, um Cruze branco, trafegava no sentido SP-BH.
Segundo a Polícia Rodoviária Federal, as vítimas graves eram dois homens, um de 26 anos e outro de 38, que formavam um casal. Os policiais encontraram uma foto dos dois juntos na carteira de um deles. Ambos foram socorridos pela ambulância da concessionária Arteris para o hospital municipal de Alfenas, um deles estava consciente, o outro não.
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quinto andar | dimaury
FanfictionAmaury, um médico geral do SUS, e Diego, um publicitário e drag queen, dividem o mesmo apartamento sem nunca se encontrarem. Se comunicam apenas através de post-its enquanto vivem suas vidas em horários opostos. Entre as trocas escritas, descobrem q...