Capítulo Quarenta e quatro - Ensaio

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Peguei a sacola que o entregador havia deixado na portaria. Estava com preguiça de cozinhar e, além disso, passei o dia inteiro morrendo de vontade de comer hambúrguer. Tive que cair na tentação, não conseguiria resistir por mais tempo. Segundo a minha mãe, eu não deveria resistir aos meus desejos de grávida, senão a bebê nasceria com o rosto daquilo que desejei. Particularmente, eu não acreditava muito nessa teoria, apesar de dona Fátima ter citado as situações das suas amigas. Eu só usava aquilo como uma desculpa para engordar sem culpa. Acho que nunca fiquei tão relaxada em relação ao meu peso.

O mundo da moda não é tão maravilhoso quanto parece ser. Como tudo o que é bom, também existem os seus defeitos. Viver cercada pelo o que emplacam ser o "padrão" não é nada fácil, uma hora ou outra a comparação bate na sua porta e a auto cobrança a acompanha. Me lembro de ter me achado tosca por pensar daquela forma, mas, quando vi, já estava diminuindo a quantidade de alimentos que eu enjeria. Nunca me achei magra o suficiente, aquilo era horrível. Hoje entendo que os padrões da sociedade exigem uma perfeição inexistente. Não adianta tentar ser perfeita, é em vão. O ser humano por si só já acaba com isso. Penso que a verdadeira perfeição está no interior das pessoas, nas suas essências e até mesmo nos seus erros. Todos nós somos perfeitos imperfeitos. Ninguém é igual a ninguém. As pessoas não devem se moldar para se acharem "perfeitas" para alguém, isso as levaria a infelicidade. E ninguém merece não ser feliz.

Quando terminei de comer o lanche, coloquei as embalagens e descartáveis na lixeira, voltando para o meu escritório, ou melhor, para o futuro quarto da bebê.

Olhei mais uma vez para os meus esboços espalhados sobre a mesa, e para os slides impressos da minha apresentação, que deixei colados na parede, para ensaiar. Eu não tinha projetor e queria ensaiar como se tivesse um, por isso tive que improvisar. A apresentação será na segunda-feira e eu não poderia estar mais agitada. A minha ansiedade estava fazendo barulho. Em menos de uma semana eu teria a resposta final, aquele nervosismo estava me matando.

— É, neném, espero que a vida seja mais tranquila para você. — Levei as mãos até o meu ventre, fazendo um leve carinho no local. Quando ela nascesse, eu a agradeceria por escutar todos os meus desesperos e lamentações. Essa menina devia ter uma paciência de ouro, ou apenas não tinha como me mandar calar a boca. Ri de meus próprios pensamentos. 

Peguei os esboços nas mãos e comecei a falar sobre cada um deles, como se alguém estivesse escutando. Sempre que estava prestes a fazer alguma apresentação, eu fingia estar me apresentando para pessoas imaginárias; aquilo ajudava na minha preparação. Uso essa técnica desde os meus quinze anos; as minhas apresentações sempre foram as melhores da turma, todos queriam virar meus amigos em época de trabalho. "Vamos nos juntar com a nerd da Eloise, ela sempre tira nota máxima", disse a garota que achei ser minha amiga. Ensino médio... que época difícil, a minha vida foi muito melhor na faculdade. 

Repassei todas as falhas cometidas em minha mente, melhorando tudo ao máximo. Eu não estaria apenas apresentando, estaria vendendo o meu peixe, rezando para que eles o escolhessem e não levassem o de Brenda.

Dei um salto, quase derrubando todos os papeis que estavam na minha mão, quando escutei batidas de porta ecoarem pelo pequeno apartamento. Mas quem seria em uma hora daquelas? Algum ladrão? Senti meu corpo estremecer enquanto andava até a sala. Fiquei tão atordoada que nem me importei em ir abrir a porta de pijama. Um pijama bem surrado por sinal.

Olhei pelo olho mágico, sentindo um alívio percorrer todo o meu corpo quando vi quem estava do outro lado. Depois do alívio, outra sensação dominou o meu corpo. Uma sensação que eu não sabia identificar, mas foi ela que me fez abrir a porta de imediato.

— Nicolas, o que faz aqui?

—  Você disse que não me chutaria se eu viesse no sábado, então, aqui estou eu. —  Apontou para si mesmo.

Me odeie, mas me ame.Onde histórias criam vida. Descubra agora