#29.

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- Então... O seu pai é um tremendo canalha.

Hinata deu um riso baixo. Nem precisou falar muito sobre o velho para que Kageyama pegasse a mensagem geral: sim, dizer que ele era um canalha era subestimar sua capacidade de assumir a carne do próprio capeta.

- É por aí. Um pouco pior do que isso.

- Eu não quero te forçar a contar nada, você sabe... Mas se você quiser me contar...

Hinata se sentou na cama, que os dois praticamente dividiam a esse ponto (apesar de não morarem juntos – ainda, como Kageyama gostava de ressaltar sempre que o assunto surgia), com um suspiro pesado. Kageyama se aproximou com cautela, permitindo que ele se aninhasse na lateral de seu corpo, passando um braço por suas costas e abraçando seu quadril...

Hinata apreciava a compreensão de Kageyama mais do que muitas coisas por aí. Amava seu esforço em aprender a lidar com ele, em aprender todos os consolos e confortos e certezas que ele poderia precisar.

- Ele trabalha na Marinha, e só volta pro continente uma vez a cada... Dez anos, mais ou menos. Eu e minha irmã fomos meio que acidentes dessas vezes que ele esteve com a minha mãe no continente... Ele não ficou pra ver nenhum de nós nascer.

O aperto de Kageyama ficou mais forte na lateral do corpo de Hinata, como se pudesse arrastá-lo para longe dessa maré de azares se apertasse o suficiente. Hinata deitou a cabeça em seu ombro e ele relaxou.

- Eu lembro quando ele voltou e minha mãe engravidou da Natsu. Eu tinha uns 7, talvez 8 anos – Hinata lembrou, com pesar. – Ele violava a minha mãe. Eu ouvia, quase toda noite, ela gritando do quarto dela... Mas eu tinha medo de ele fazer coisa pior comigo. E... Depois veio a Natsu. Ela foi a melhor coisa que ele já fez.

Na mente de Shoyo, ele revisitava as noites tempestuosas dos tempos em que seu pai, o velho com o capeta na mente, estava em casa. Os gritos de sua mãe tarde da noite, o jeito que ela fugia do quarto trancado assim que o velho caía no sono para acudir Shoyo, chorando em silêncio no quarto por não poder fazer mais por ele. O cheiro de álcool e fumo na casa inteira. Ele sentado no topo das escadas, esperando até mais de meia noite para os amigos idiotas do velho saírem de casa para que ele pudesse comer em paz, a barriga roncando com impaciência. As risadas grossas de homens mais velhos, apostando o dinheiro da conta da luz sem a menor preocupação, enchendo as caras barbudas, enrugadas e nojentas e...

E o padrasto de Shoyo. Satoshi-san, que sua mãe amou tanto, que ele quase chamou de pai com amor no coração.

Ele só se afastou das memórias quando Kageyama o abraçou, apertando no formato de seu corpo, como se sentisse sua dor através do toque.

- Eu sinto muito.

Hinata mal tinha percebido que, não só estava imerso em memórias, como estivera murmurando tudo o que pensava, provavelmente sem fazer sentido algum. Mas Tobio entendeu. Ele devia ser a única pessoa no mundo com a capacidade de entender seu Shoyo tão profundamente.

Shoyo o abraçou de volta.

- Tudo bem... Já faz muito tempo desde que... Desde que tudo isso aconteceu.

- Mas o velho vai voltar. Você não 'tá preocupado?

O estômago de Hinata fez um nó, apertado o suficiente para enforcá-lo. Claro que estava preocupado. A droga do velho era uma parte de sua vida que ele queria guardar no passado, quando não tinha certeza do que estava fazendo, quando não tinha controle das coisas.

Agora ele tinha os Black Jackals. Tinha a faculdade. E tinha Tobio. Tinha uma vida inteira para pôr nos eixos, e ele...

- Eu 'tô preocupado. Muito. Mas... Eu não tenho mais medo dele.

Mentira. Ele detestava mentir para Kageyama, mas o que era uma mentirinha branca para que ele não se desesperasse tanto quanto Hinata estava desesperado?

Kageyama se afastou, por um único segundo, do abraço apertado de Hinata; segurou seu rosto entre as palmas de suas mãos, o toque terno, mas os olhos frios e analistas.

- Você não precisa mentir pra mim.

- ...Eu sei que não. Me desculpa – Os olhos de Hinata se enchiam de lágrimas com cada palavra, o medo de verdade que ainda sentia atingindo-o em cheio. – Eu tenho... Tanto medo. Mas eu posso— eu posso resistir agora. Eu não sou uma criança indefesa mais. Eu... Eu posso parar de ter medo.

Mas eu não consigo.

Os pensamentos de Hinata foram interrompidos quando Kageyama fisgou seus lábios, em um beijo – e tudo parecia bem, de repente. Ele entrelaçou seus dedos nos dele, olhos fixos nos dele, a ternura e a paixão conhecidas lentamente voltando.

Hinata suspirou. Como amava esse homem, Deus do céu...

- Eu sei um jeito de você não sentir medo mais.

- C-Como?

- Foge comigo. Nós vamos pra bem longe daqui, eu me caso com você e... Você nunca mais vai ter que se preocupar com o seu pai.

Que História É Essa?! (Haikyuu!!)Onde histórias criam vida. Descubra agora