#23.

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- Como foi com o médico, meu amor? O que ele te deu?

Kiyoko encarou Hitoka, boquiaberta, por quase um minuto antes de pensar em algo a dizer. O problema não era nem que ela tinha acabado de sair do chuveiro, embalada apenas por uma toalha e a água escorrendo por seu corpo...

O problema era que Kiyoko não tinha a menor ideia de como soltar a notícia de que estava grávida para a namorada com quem acabara de firmar a relação.

E Yachi sempre teve certeza de que gostava de mulheres, exclusivamente de mulheres. Ela não teria como entender a guerra que se passava na cabeça de Kiyoko, entre seguir com o sonho pelo qual lutou a vida toda e se entregar à vida nova na qual mergulhara de cabeça.

Do quanto de si mesma ela poderia desistir sem se perder?

- Uhm... Não deu nada demais. Acho que foi alguma coisa que eu comi e não reagi bem – Kiyoko mentiu rapidamente, dando um sorriso fraco e chulo, que Yachi respondeu com entusiasmo logo em seguida. – Talvez eu faça um exame de alergias, quando tiver tempo.

- Ah... Que bom que não foi nada. Eu vou sair um pouquinho, precisam que eu aprove alguma coisa no escritório, tudo bem? – Yachi comentou, e Kiyoko deu um aceno enquanto Toko subia em seu colo, esfregando o pelo branco em sua blusa preta. Estava distraída demais com a bagunça que sua vida se tornaria em alguns meses para pensar demais nisso.

- Vou sentir sua falta, mas fica tudo bem, sim.

- Não vou demorar muito mais que uma hora.

- Uma hora inteira? Eu com certeza vou sentir sua falta.

Yachi só riu e saiu da porta do banheiro para dar um beijo rápido em Kiyoko, o cabelo encharcado só ameaçando pingar nela; deu seus passinhos apressados adoráveis até o closet (na opinião de Kiyoko, o maior luxo da casa: ela nunca se acostumaria à ideia de morar em uma casa em que as roupas tinham o próprio quarto) e Kiyoko soltou um suspiro dolorido, digitando uma mensagem rápida para seu maior confidente, olhos no closet como se morresse de medo de ser flagrada.

Não sabia nem por quanto tempo poderia mentir para Yachi sem querer morrer por isso.

Mensagem para Sugawara:
Eu vou ter um bebê.
Te ligo quando a Hitoka sair de casa.

Ela só teve tempo de esconder o celular em qualquer lugar antes de Yachi sair do armário, completamente vestida – e com uma das camisas sociais escuras de Kiyoko, larga o suficiente para induzir à possibilidade de ser emprestada. Kiyoko só era um pouco mais alta e mais larga que Yachi, mas as blusas já viraram propriedade mútua e evidenciavam essa diferença breve entre as formas de seus corpos.

Hitoka se tornava a mulher mais linda do mundo com uma camisa ligeiramente larga, com os perfumes caros de Kiyoko permanentemente impregnados em si. Ela parou na frente do espelho, ajeitando o rabo de cavalo alto, o cabelo tão curto que nem alcançava a nuca, e Kiyoko passou outros cinco minutos admirando.

Temia o momento em que Sugawara lesse as mensagens e começasse a metralhar seu celular para vibrar impetuosamente embaixo do travesseiro. Temia o momento em que sentiria mais de um batimento cardíaco dentro do corpo, como já sabia ter.

Yachi poderia odiá-la por isso. Ela não queria perdê-la assim, depois de desistir de tanto para se aceitar como uma mulher que amava outras mulheres, depois de mergulhar de cabeça na sua vida, querendo ser parte dela por tanto tempo.

Kiyoko sequer tinha para onde ir se Yachi a deixasse.

Ela fez conversa fiada com Yachi por outros dez minutos, agora com dois gatos no colo e um terceiro se esfregando na perna da dona; pareciam saber que alguma luta era guardada por ali, oferecendo seu consolo. Yachi deu um último beijo na namorada antes de sair de casa e, assim que ouviu as chaves virando na porta, Kiyoko se arrastou até o celular e discou o número de Sugawara com a velocidade que ligaria para uma ambulância.

- Explica tudo. Agora.

Ele claramente já tinha lido as mensagens, e não estava nada feliz com isso.

- Eu... Passei mal aqui em casa, eu 'tô morando com a Hitoka agora, e fui no médico... Ele me deu os ultrassons e tudo. Eu 'tô grávida de quatorze semanas. Eu consegui ouvir os batimentos dele.

Silêncio do outro lado da linha. Se Sugawara não desse uma solução a ela no próximo segundo, Kiyoko começaria a chorar.

- Eu... Meu Deus. E o filho é do Tanaka?

- Claro que é.

- Você vai ficar com a criança?

- Eu... Não sei. Eu realmente não sei.

- Okay, fica calma. Quem mais sabe?

Kiyoko mordeu o lábio. Estava deitada na cama de Yachi, abraçando um travesseiro, e Madoka se esfregava em sua perna.

Elas mal tinham espaço para quatro gatos. Seria impossível criar uma criança no meio da bagunça.

- ...Eu não contei pra mais ninguém. 'Tô morrendo de medo de contar pra Hitoka.

- Conta pra ela primeiro, e depois conta pro Tanaka. Você vai descobrir o que fazer a partir daí. Eu... Não posso te ajudar muito mais, a não ser que você queira que eu seja padrinho. Se você quiser, eu faço com prazer.

Uma lágrima escorreu do olho de Kiyoko, e ela apertou o travesseiro com mais força; pensar em padrinhos fazia tudo real demais. Meu Deus, ela não estava pronta para ter essa criança, não queria nem pensar nisso.

Talvez fosse melhor não ficar com ela afinal.

- Eu... Obrigado, Suga. Acho que não vai ser necessário. Eu vou falar com a Hitoka a respeito, e... Me viro a partir daí.

- Se você precisar de qualquer coisa, eu 'tô aqui, 'tá bom?

- 'Tá bom. Você é um anjo, Sugawara.

- Você que é um doce. Mas se você for ficar com a criança... Boa sorte na jornada, mamãe.

Kiyoko desligou. Abraçou o travesseiro com força e abafou seu choro de desespero nele até Yachi chegar em casa.

Que História É Essa?! (Haikyuu!!)Onde histórias criam vida. Descubra agora