#35.

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- Você não achou que eu ia deixar você ir andando sozinho pra casa, nesse escuro e nesse frio, né?

Oikawa, sentado no meio-fio da calçada, assustou-se com a voz de Iwaizumi cheia de calor e carinho de repente. Nem parecia a pessoa que, horas antes, ordenou que ele devolvesse tudo que tivesse em posse que não fosse seu.

Oikawa quase entregou-lhe o coração, também, agora e muitos anos atrás. Mas, considerando como ele ardia e machucava por dentro, não seria de muito uso.

Mas Iwaizumi devolveu o casaco. Ou emprestou-o de novo – sim, seria o modo mais certo de dizer. E brincava com as chaves do carro entre os dedos, o mesmo chaveiro de tantos anos atrás gasto pelo tempo, e Oikawa já sabia que teria alguém que o levasse para casa.

Ele ainda não quis se levantar. Ficou sentado lá, abraçando o próprio corpo, e só acordou do estupor de autopiedade quando Iwaizumi jogou o casaco por cima de suas costas e se sentou ao lado dele. Era só um pedaço de flanela. Era só o joelho dele esbarrando no seu. E era só alguma coisa que ele não conseguia nem descrever, nos olhos dele, no escuro da noite fria...

Oikawa vestiu o casaco. Apesar do escuro, teria que ser cego para não ver o sorriso que cresceu em Iwaizumi. Se ele não o conhecesse bem...

- No que você 'tá pensando?

Era estranho que ele tivesse que perguntar. Normalmente, Iwaizumi sabia no que Oikawa pensava antes mesmo de ele concluir o pensamento. Era um tipo de Bluetooth estranho que eles tinham.

O tempo na Argentina deve ter separado os dois... Enfraquecido a conexão, de algum jeito.

- Eu 'tô me sentindo mal – Oikawa admitiu, porque se havia uma pessoa no mundo que compreenderia suas dores, essa pessoa era Iwaizumi. – Pelo Miya... Pelo Shoyo. O Tobio-chan veio me confrontar, dizendo que eu devo algum tipo de turnê de desculpas...

- E o que você disse pra ele?

- Que eu sei que devo. Eu nem sei por onde começar... Eu não sei se devo mostrar as caras de novo agora. Acho... Que eu causei um estrago maior do que eu posso medir. E o Tobio-chan sabe disso.

Iwaizumi pôs uma mão nas costas de Oikawa, por cima do casaco, acima de todas as mágoas. Oikawa respirou fundo e soltou um suspiro de alívio; quando menos esperava, era Iwa-chan quem o trazia de volta à vida.

- Calma lá. Também não é tão ruim assim... Você cometeu uns erros, tudo bem. Você magoou uma galera aí. Mas quem nunca, que jogue a primeira pedra. – Iwaizumi comentou, baixando o olhar até encontrar o de Tooru, encolhido no próprio corpo. – Mas não é motivo pra você nunca mais mostrar a cara.

Era difícil sustentar o olhar dele quando Oikawa se sentia frágil assim. Mas ele chamava: Tooru, como um sopro do vento, e todas as defesas dele se desarmavam. Tudo desabava, como uma barragem rompida, todas as coisas que ele devia conter e esconder de vista...

Iwaizumi ajeitou a postura quando Oikawa insistiu em fugir de seu olhar. Não queria chorar. Não podia chorar, depois de todo esse tempo, e mostrar que ainda era só um garotinho de 7 anos com medo de insetos.

– Se você admitir que errou, e pedir desculpas por isso, pedir desculpas de verdade, não é tão grande o problema. Eu sei que você se sente mal, mas não precisa se martirizar pra sempre por isso. O seu maior defeito, Tooru...

Iwaizumi fez uma carícia nas costas de Oikawa, e ele derretia de novo. Poderia se acabar no calor, na firmeza daquele toque, da única pessoa do mundo que podia convencê-lo que sim, tudo acabaria bem.

- ...É que você as pessoas no preto e no branco. Até você mesmo. Se você não pode ser um grande imperador, que nunca erra, que todas as pessoas amam, você já começa a pensar que é uma pessoa horrível que não merece amor nem perdão... Você merece. Mas esse amor e esse perdão têm que vir de você primeiro.

- Eu não consigo.

As palavras erodiram de Oikawa – romperam através da barragem – antes que ele pudesse se impedir. Iwaizumi não pareceu chocado, nem mesmo surpreso.

Antes de Oikawa definir quem seria no mundo, Iwaizumi já estava lá. Ele viu essa rocha ser talhada, esse rio trilhar o caminho. Antes mesmo de Oikawa poder dizer o que pensava, Iwaizumi já sabia o que responder.

- Eu sei. Eu sei. Mas, Tooru... Olha— Olha pra mim – Iwaizumi pediu, e segurou seu rosto entre as mãos, olhar tão compassivo quanto era firme na barragem desmanchada. – Eu te amo. E eu te perdoei por todas as vezes que você errou comigo. Às vezes você não vai ter as duas coisas... O Kageyama pode ter te perdoado, mas ele nunca vai amar você como amou quando tinha 10 anos. E o Hinata pode continuar te amando, mas talvez uma parte dele nunca te perdoe pelo que aconteceu hoje. E a vida vai continuar, porque ela sempre continua.

Oikawa só sentou lá e chorou, baixinho. Quaisquer palavras que pudesse ter ao alcance fugiram dele. A parte de seu coração que doía e queimava ainda estava presa na parte do "eu te amo e eu te perdoei".

Todas as vezes, ele encontrou tanto o amor quanto o perdão de Iwa-chan, como se fossem uma coisa só. Em todas as vezes em que não encontrou isso dentro de si mesmo, sabia que podia contar com ele para ensiná-lo, de novo e de novo, a fazer florescer o que tinha de melhor.

E como ele agradecia? Ele arruinava a santidade dos dois. Ele se apaixonava por Iwaizumi, de novo e de novo, e seu coração ardia com uma ânsia que ele não conseguia conter, que nunca ia parar de mudar o que os dois tinham. Ele arruinava tudo com essas fantasias loucas e irracionais sobre beijá-lo, sobre sumir do mundo no seu aperto, sobre um toque sujo e primitivo que o mantinha acordado o dia todo e até tarde da noite.

Ele paria de ouvir depois de eu te amo e eu te perdoei. Era assim que ele agradecia toda a compreensão de Iwaizumi, que o conhecia melhor do que ele próprio se conhecia, e insistia em uma bondade e confiança que Oikawa não achava dentro de si.

Ele podia confiar que tinha tudo isso?

Iwaizumi se levantou e ofereceu-lhe uma mão. De onde estava, o rosto dele, cheio do carinho que Oikawa só via depois de amaciar as beiradas desse coração de rocha, cobria a Lua.

Mas ele era luz. E Oikawa aceitou a mão dele para se levantar. E Iwaizumi não a soltou.

- Eu posso te levar pra casa... Mas você vai ficar bem sozinho?

- Eu... – Oikawa começou, mas sua língua se enrolou nas palavras. Ele tropeçou na mentira que se acostumou a contar: eu vou ficar bem. – Eu não tenho certeza.

- Você pode dormir lá em casa, então. Você sabe que é sempre mais do que bem-vindo.

Oikawa aceitou, com um mero aceno, não confiando mais na própria voz. Ele teria que convencer seu corpo a se acalmar na presença de Iwaizumi...

...Porque seu coração estaria sereno, deitado ao lado dele.


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⏰ Última atualização: Sep 15 ⏰

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