Kiyoko se sentou à sala de casa, com tanta seriedade quanto demonstraria em um escritório, e esperou Hitoka voltar do trabalho.
Levou quase duas semanas para se convencer que não estava sentindo o bater do coração da criança que gerava no ventre, mesmo sabendo que em breve começariam os chutes. Isso de acordo com as revistas de gravidez clandestinas morando em seu quarto, onde os olhos de Hitoka não alcançavam se Kiyoko flertasse com ela o suficiente.
Falando nela... Yachi chegou em casa com certo entusiasmo – talvez trouxesse boas notícias, como um aumento ou o sucesso de uma nova experiência – mas parou exatamente onde estava ao notar a seriedade de Kiyoko.
Nenhuma das duas se mexeu, nenhuma das duas disse uma palavra por um bom tempo, esperando que o assunto tão sério e esperado se iniciasse espontaneamente. O farfalhar das chaves de Yachi em sua mão tiraram Kiyoko de seu transe, e ela pigarreou.
- Podemos conversar? Eu preciso te contar uma coisa.
Yachi fechou a porta de casa atrás de si. Madoka se esfregou na sua perna com ternura.
- Claro, meu bem – Yachi se sentou ao lado da namorada, escondendo as mãos tremendo de ansiedade apertando-as sobre o colo; Kiyoko conteve a tentação de segurá-las.
Depois jogou tudo para os ares e apertou as mãos de Hitoka nas suas com todas as suas forças, quase tremendo junto com ela. Isso era sobre as duas.
- Eu... Eu quero começar pedindo desculpas. Eu menti pra você sobre o que o médico me disse, aquele dia que eu passei mal...
Se a cara de Yachi já estava branca antes, imaginando que Kiyoko queria romper com ela, perdeu completamente qualquer cor ao considerar por um terrível segundo que seria uma coisa ainda pior a separar as duas.
- Não fica tão assustada. Eu não vou morrer – Kiyoko esclareceu, lutando para não rir. Por mais que problemática que fosse às vezes, nada podia convencê-la que a ansiedade inofensiva de sua namorada não era a coisa mais adorável do mundo. – Não é tão sério... Mas... Vai mudar as nossas vidas.
- 'Yoko, o que foi que o médico te disse?
Kiyoko encarou suas mãos, juntas da de Yachi, seu bronzeado causando uma diferença ínfima entre a cor das suas e das dela. Pesou as palavras na balança imaginária de sua cabeça por um tempo – pensou em como entregar a notícia de um jeito delicado, em iluminar os lados bons, dobrar as palavras para convencê-la a ficar...
- Eu vou ter um bebê.
E, de novo, jogou tudo para os ares. Depositou um voto de confiança no julgamento de Kiyoko sobre o quão incondicional era seu desejo de estar junto dela.
Yachi ficou ainda mais pálida, quase roxa agora. Soltou uma espécie de suspiro desesperado – Kiyoko quase conseguia ver as engrenagens delicadas de sua cabeça funcionando a mil, lutando umas contra as outras e contra o fluxo da máquina.
Ela apertou suas mãos com mais força.
- E... E é do Tanaka?
- Sim. Ele é o único com quem eu me relacionei desse jeito, além de você.
Apenas depois das palavras terem saído de sua boca foi que Kiyoko percebeu que nunca tinha conversado com Yachi sobre o que ela tinha feito ou deixado de fazer com Tanaka. As duas concordaram em deixar essa parte da história para trás, mas talvez fosse saudável para as duas pôr na mesa o quão longe Kiyoko tinha ido com a vida que se forçou a ter.
- Você vai ficar com o bebê?
- Vou. Eu quero essa criança. – Yachi acenou, ainda muda, e baixou os seus olhos arregalados dos de Kiyoko para as mãos entrelaçadas das duas. – O que é que você quer, Hitoka?
- ...Como assim?
- Se você ficar comigo e com essa criança, a sua vida vai mudar pra sempre. É uma responsabilidade que vai ficar conosco até o fim das nossas vidas, ou da minha, dependendo do que você decidir. O que é que você quer?
Yachi não respondeu imediatamente; alguma das palavras de Kiyoko causou um certo defeito em sua cabeça, algo que ela custava a entender, que lia de novo e de novo e de novo...
- Se eu ficar com você?
Foi a vez de Kiyoko arregalar os olhos, só ligeiramente. Pessoas se largavam por causa de filhos o tempo todo, fossem eles nascidos ou não. Era natural que ela levasse isso em conta.
Mas Yachi... Yachi não tinha nem pensado nisso? Não atravessou sua cabeça que ela poderia se separar de Kiyoko se não estivesse pronta para carregar as responsabilidades de uma criança, de acompanhar uma gestação?
- É. Se você ficar comigo. Eu não quero te forçar a nada – Kiyoko se esclareceu, e viu a expressão assustada de Yachi derreter a algo mais... Dócil. – Se você achar que não consegue arcar com uma criança, ou simplesmente não quer uma que eu... Gerei com outro homem... Eu entendo, de verdade. Você é sua própria pessoa, assim como eu.
Eu acho, Kiyoko acrescentou mentalmente. Ainda estava descobrindo quem era a própria pessoa. Pouco a pouco. Mas o que sabia era que a Kiyoko de verdade queria ficar com essa criança tanto quanto queria ficar com Hitoka, mas se essas duas realidades não fossem conciliáveis...
A Kiyoko de verdade sobreviveria.
Yachi sacudiu a cabeça agressivamente, como se finalmente acordasse de um estupor estranho – e abriu o maior sorriso que Kiyoko já viu nela.
- É claro que— meu Deus! Uma criança! É claro que eu vou continuar com você, com os dois!!
As mãos das duas continuavam entrelaçadas, sacudindo com os pequenos pulos de entusiasmo de Hitoka no sofá, e Kiyoko as apertou com mais força ao processar tamanha alegria pelo passo gigante que tomariam. Juntas, porque Hitoka ainda queria ficar com ela.
- Eu só... Fiquei chocada – Yachi explicou, como se não fosse terrivelmente óbvio. Kiyoko deu um riso gentil, abobada por pura paixão. – É uma... Uma criança que você 'tá gerando aí dentro.
Yachi estendeu as mãos para a barriga de Kiyoko, hesitando por um segundo como se pedisse permissão; Kiyoko apoiou o corpo por trás e se abriu para ela, as mãos correndo delicadamente por cima da blusa, acariciando a barriga. Ela não tinha uma só curvinha para se gabar, mas tinha uma coisinha crescendo ali dentro, uma pequena bênção...
- Desde que eu entendi que gostava de mulheres, eu achei que ter filhos estava fora de cogitação pra mim – Yachi comentou, falando no sussurro que sua voz assumia quando ela expunha qualquer coisa que pensava para Kiyoko. Toda palavra que trocavam a sós era um segredo santificado. – Não que a adoção não seja uma opção, mas... Não é a mesma coisa que ver uma criança crescer dentro de você, sabe? Claro que sabe, você sabe melhor do que eu.
Kiyoko deu outro riso curto e Hitoka tirou as mãos de sua barriga para deitar na lateral de seu peito, de onde ouvia seus batimentos cardíacos. Estavam o mais tranquilos que estiveram desde que Kiyoko descobriu sobre a criança; ela fez um carinho na cabeça da namorada, fechando os olhos ao ser envolta por seu calor.
- E se a criança for muito parecida com ele...?
- O bebê é seu. Só isso importa pra mim.
Kiyoko deu um beijo na testa de Hitoka, olhos se enchendo de água. Deus permita que ela nunca se canse de ser adorável e compreensiva – Kiyoko precisava disso. Amava isso. Amaria para sempre.
- E também... O Tanaka-san já foi meu amigo, eu sei que ele é uma boa pessoa. Eu não odiaria criar uma criança que se parecesse com ele.
As duas continuaram sentadas onde estavam, aconchegadas no sofá, porque Kiyoko não sabia o que responder; Toko, a menos afetuosa das gatas, subiu no sofá junto das duas e se deitou no colo de Kiyoko, as costas apoiadas em sua barriga. Estaria ela prevendo o novo integrante da família?
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Que História É Essa?! (Haikyuu!!)
Fanfic" - São Longuinho, São Longuinho... Se eu achar o amor da minha vida, eu dou vinte pulinhos." No qual ex-jogadores de vôlei do ensino médio enfrentam as dificuldades e artimanhas da vida adulta. ✧*:.。. | Sequência ficcional / Caracterização LGBTQIAP...