Lawrence

Quarterback

 Ok... agora eu preciso que você imagine essa cena: um gatinho, filhote, entrando em uma jaula cheia de leões em um zoológico. O gatinho olha ao redor, tentando achar um lugar para se esconder, mas ao ver que não acha nenhum, tem uma crise de pânico por causa de todos os leões olhando pra ele com olhares de curiosidade, ferocidade e desentendimento. E é assim que me sinto quando já estou nos trajes do time e do lado do treinador, que está explicando a todos que um garoto de um metro e cinquenta centímetros é o novo quarterback.

Seguro o capacete com as minhas mãos e ele parece estar escorregadio, ou eu é apenas eu que está suando demais. De relance, vejo Normani e Ally nas arquibancadas, ambas com expressões de preocupação e medo. Posso afirmar, sem sombra de dúvida, que até agora a ficha delas não caiu. O treinador Grayson se equivocou, ou pior, bateu a cabeça na parede e me ofereceu, de maneira 'cordial' (uma ova), a chance de ser o novo integrante do time. O novo quarterback

— Mas treinador... — um dos meninos começa a falar e eu me preparo para a bomba — porque não escolheu alguém que já está no time para ser o quarterback?

— Porquê Tomlinson? — o treinador sorri quase que com escárnio — porque eu gosto de novidade. De ar puro. E Lawrence Jauregui é o que a gente precisa.

Eu não acho que sou o que alguém precisa, é o que quero dizer. Mas resolvo escolher pelo silêncio.

Meu primeiro treino é caótico. Faço só o que o treinador pede e faço o melhor para sobreviver pela próxima hora. A parte do alongamento não chega a ser a melhor parte, mas é a menos torturante, claro. O restante dos jogadores não parecem me aceitar de primeira, mas eu até consigo entendê-los. Acho que todos estavam com a expectativa de se tornar o quarterback e então, de repente, temos um estranho invadindo o campo que costumava ser território de Austin. Durante todo o treino, tento entender a cabeça do treinador Grayson. Ele parece ser uma boa pessoa, apesar de todo o estresse de ter que auxiliar onze adolescentes fedorentos.

Quando o treino acaba, todos os meninos se dirigem para o vestiário e eu engulo em seco, porque estou temendo esse momento desde que saí de casa pela manhã. E por falar em casa, não fui capaz de contar para minha mãe sobre a nova atividade extracurricular e Chris também resolveu ficar quieto. De primeira, não fiquei com raiva dele por ter me metido nessa furada. Mas acho que por estar acordado nas últimas vinte e quatro horas, a adrenalina foi se misturando com a raiva e quando resolvi evitar falar bom dia pra ele naquela manhã, foi apenas para não ser um idiota com ele. Depois que voltamos pra casa naquela madrugada, voltamos em um silêncio mortal. O que foi uma novidade, porque eu e Chris sempre fomos muito violentos.

Como quem não quer nada, espero todos os meninos tomarem banho para que eu possa pegar minhas roupas e entrar no chuveiro e é quando um outro jogador que reconheço por ser Shawn Mendes, vem até mim. Sei que ele está na linha ofensiva do time.

— Ei — ele sorri sem graça — eu sinto muito por toda essa recepção de merda que os garotos deram pra você. Acho que eles só estão chateados por terem perdido o posto.

— Não tem problema — falo em sussurros — eu não sei o que estava esperando na verdade, mas não por uma recepção calorosa.

Ri de desgosto e Shawn revira os olhos.

— Eles vão superar — ele ri — só fique longe de Camila, sim?

— Camila? — o nome saí áspero em minha boca e engulo em seco. Como o treino das líderes de torcida acontece ao mesmo tempo que o de futebol, Ally e Normani apenas resolveram esperar pela gente para irmos embora todos juntos, o que acaba se tornando impossível me afastar dela por completo— porquê?

— Eu sei que toda coisa de quarterback e líder de torcida é atraente — Shawn sorri de lado — mas Camila é notícia ruim.

— Ela não parece tão mal assim... — tento defender.

— Vai por mim — Shawn abre o armário do vestiário para pegar uma troca de roupa — ela e Austin não terminaram à toa, cara.

Quase preciso morder a minha língua para me conter de perguntar o porquê, mas resolvo encerrar o assunto porque sei que as meninas já devem estar cansadas de me esperar para voltarmos para casa. Pego uma troca de roupa para tomar o que seria o banho mais rápido da minha vida e me trocar dentro do box, e quase tenho que me controlar para não fechar os olhos e dormir ali mesmo. Acho que nunca passei tanto tempo acordado assim e pelo visto o meu cansaço já está começando a dominar cada músculo do meu corpo porque quando já estamos voltando no carro, sinto meus olhos pesarem e quererem fechar em um sono longo e confortável.

— É o primeiro treino e já está morrendo de sono desse jeito? — a voz de Camila, que agora ocupa o lado direito do banco de trás, sobrepõe as risadas de Ally e Normani do banco de frente e pelo visto, ela está zombando de mim — não sei o que deu na cabeça do treinador em chamar o garoto mais desastrado de toda Miami para ser o quarterback.

— Cale a boca — resmungo pra ela e continuo de olhos fechados. Há uma dor começando na frente da minha cabeça. Eu acho que nunca estive tão exausto na vida.

— Acho que Lawrence foi muito bem — Ally sorri — eu só fiquei preocupada, porque você é tão pequeno comparado aos outros meninos... Só percebi isso hoje quando estava no meio deles.

— É... é — engasgo — minha família não é vencedora no campeonato de altura.

— Ele vai superar — Normani diz do banco da frente e eu quase me sinto melhor, quase — atividades realizadas junto com os colegas para o signo de câncer são realizadas durante a tarde... e já que o treino de futebol é sempre às 15h30, você tem a astrologia ao seu favor.

Camila ri e também não contenho uma risada abafada.

O final de semana se passa numa velocidade mais rápida do que eu pensei que faria, porque estou exausto por causa do treino e além disso, agora que estou prestes a substituir minhas elativas, sei que mal vou conseguir aproveitar minhas aulas de robótica. E eu espero, do fundo do coração, que eu não vá passara a maior parte do tempo sonolento.

Quase chegando na quarta-feira, eu marco uma consulta com o endocrinologista para a semana que vem porque já está passando da hora de uma consulta de rotina e aplico mais uma injeção de testosterona. Chris tenta se aproximar de mim algumas vezes durante esses dias, mas não consigo falar com ele porque não tenho cabeça para um pedido de desculpas ou mais drama. Fora isso, não tenho a mínima ideia de como perguntar quando ele volta para a Califórnia e se não fosse por Taylor falando sem parar sobre a nova música da Taylor Swift, o silêncio reinaria em casa e minha mãe começaria a pensar que talvez pudesse ter algo de errado. Enquanto isso, os meninos do time, a cada dia que passa, estão mais receptivos comigo entrando de repente no ambiente deles. Tanto que no último treino antes do final de semana, Harry Styles e Louis Tomlinson me agarram pelo ombro e sorriem pra mim. Minha primeira reação é me assustar, porque depois de Austin, esses dois são populares. E pelo que não demoro a descobrir, estes são os meninos gays do time.

— Eu sei que a gente não começou nos melhores termos... — Harry começa malicioso — e eu sinto muito por isso.

— É... — Louis completa a frase dele — fomos babacas, mas acho que já passou. Só queríamos ter certeza de que você é decente e tudo mais.

— Ahn... obrigado? — sai mais no tom de pergunta, mas não consigo evitar.

Harry ri.

— Você é um garoto engraçado — fico surpreso por não me sentir sentir ofendido — por isso estamos te convidando para a festa que vai ter na casa do Niall no sábado a noite.

Quero recusar, dizer muito obrigado, mas as noites de sábado eu passo jogando Fifa 13 no Playstation velho do meu irmão. Mas, lembro do que minha psicóloga disse na última sessão para aproveitar as oportunidades que a vida apresenta pra mim.

— Eu posso levar duas amigas? — porque não tinha a mínima chance de eu deixar Ally e Normani de lado.

— Quanto mais gente, melhor — Louis concorda. Mas mais uma vez, um buraco começa a se formar em meu estômago dando início a uma gastrite nervosa, a mesma que me acometeu no primeiro dia de aula. Eu não fui feito pra ser um garoto popular que vai a festas e sai com os garotos do time de futebol. Eu sou mais o garoto que passa o tempo escondido em seu próprio quarto. Mas cá estou, com um convite para uma festa e assustado pela possibilidade das coisas darem certo pela primeira vez na vida.