Terapia

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Aqui, entramos na segunda semana de aula. Está em algum momento da segunda semana de setembro.

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Então, conte-me um pouco sobre você, Lawrence — de repente, é segunda-feira e me encontro sentado em uma poltrona, de frente pra minha nova psicóloga. Quando entro na sala, não posso negar meu desapontamento em não ver um divã.

— Então — engulo em seco — você já sabe... sou um garoto trans. Sou desastrado, gosto tanto da DC quanto da Marvel, e explodi uma sacola de lixo na frente da garota mais bonita do país e tenho que aturar minha irmã ouvindo música alta de final de semana.

Acho que isso é um bom resumo, apesar de não gostar de ter que frisar a parte da transexualidade. Porque não posso falar que sou um garoto? Sem a parte do trans? Meu irmão não tem esse tipo de dor de cabeça, então porque eu deveria ter?

— Sim — minha psicóloga, Audrey, sorri pra mim — sua mãe me disse quando ela veio me procurar. Disse que você está usando testosterona e fazendo acompanhamento médico. E ela também disse que você não consegue ver os avanços que faz. Mas antes de entrarmos aí, me conte mais sobre a garota mais bonita do país — ela sorri de lado — onde você a conheceu? Como ela chama?

— Seu nome é Camila e trombei com ela no primeiro dia de aula — a imagem da líder de torcida me vem à mente e eu sorrio — ela é a pessoa mais previsível que eu já conheci. Popular, namora o quarterback e além de tudo é bonita.

— Então imagino que você queira se aproximar? — a psicóloga pergunta.

— Deus me livre! — falo rápido — eu quero distância! Longe de pessoas populares, longe de problemas... Eu só preciso sobreviver por mais cento e setenta e três dias!

— Você está contando? — minha psicóloga sorri divertida — eu acho que ficar tão desesperado para o fim do ano pode ser prejudicial. Por isso, vou te dar um desafio pra você essa semana: quero que você escolha uma atividade extracurricular e pode ser qualquer coisa. Desde aulas de pintura, teatro ou algum esporte. Quero que escolha isso pensando em se divertir.

— Mas... Eu já me inscrevi nas eletivas esse ano, e já acabou o período de inscrição. O que eu faço?

— O que você escolheu de eletiva?

— Primeiros socorros, carpintaria, matemática avançada e... finanças.

— E você quer mesmo cursar essas disciplinas? — Audrey ergue a sobrancelha pra mim, como se me pedisse honestidade. Eu engulo em seco e faço uma careta. Eu sei, essas disciplinas são uma merda.

— Lawrence, o que você quer fazer, mesmo?

Fecho os olhos com força, como se estivesse sentindo o início de uma dor de cabeça. Lembro de quando Chris ainda morava com a gente e passávamos horas montando um robô que acabou se chamando Mrs. Robot (criativo para uma criança de 10 anos, me dê um tempo) e que parou de funcionar em alguns minutos. Lembro também quando tínhamos o Dia do Museu (onde cada filho escolhia um museu para visitar no mês porque de acordo com minha mãe, Deus me livre se seus filhos crescessem cabeças-ocas) e que eu sempre importunava para irmos no Miami Science Museum porque a coisa que eu mais amava no mundo era a parte de tecnologia.

Junto a isso, me recordo muito bem de quando eu e Chris jogávamos a bola de futebol um para o outro no jardim de casa. Eu podia ser desastrado, mas eu sempre gostei de fingir que jogava bola com o meu irmão. Só então me dou conta que eu sou mais do que uma pessoa trans. Eu tenho meus filmes favoritos, minhas disciplinas favoritas e minhas pessoas favoritas. Eu sou Lawrence, sou mais do que meu gênero. E se isso foi só com uma sessão de terapia, morro de curiosidade para saber como vou ficar até o final do ano.

LawrenceOnde histórias criam vida. Descubra agora