Quando volto para dentro de casa, estou suando, minhas mãos estão sujas e tem molho de macarrão na minha camiseta do pijama. Minha irmã está na cozinha quando entro e minha mãe também. As duas olham pra mim como se tivesse crescido uma segunda cabeça em meu pescoço.
— Você entrou num chiqueiro? — minha irmã pergunta surpresa. Taylor sorri maliciosa pra mim e para uma menina de quatorze anos, ela é bem desenvolvida e insuportável de tão enxerida. Mas em questão de altura na nossa família, Tay acabou ganhando na loteria. Só perdendo para nosso irmão mais velho, Christopher, que fugiu para Califórnia para fazer faculdade.
— Eu disse pra você jogar o lixo fora, filho — minha mãe toma um gole d'água — não se jogar dentro dele.
— Vocês são tão engraçadas — falo num tom irônico — podem ir jantando, vou trocar essa roupa e tomar um banho. Eu tô um nojo — completo a frase fazendo uma careta.
O banho é um momento complicado pra mim. É quando tenho que me olhar no espelho e ver todos os pequenos mínimos detalhes do meu corpo que eu não suporto. Por isso eu sempre enrolo para tomar banho e em alguns dias, onde estou me sentindo mal mesmo, acabo deixando o banho para depois. Meu recorde foi dois dias até que minhas axilas começassem a feder.
Entro no banheiro do corredor, o único da casa, irritado. Pego as duas toalhas azuis que são minhas e com uma delas, cubro o espelho do banheiro para não correr o risco de ter que ver meu reflexo. Esse é o ritual que faço todos os dias antes de entrar no chuveiro. Nunca tive coragem de contar para ninguém, minha mãe ficaria com pena, minha irmã talvez risse do absurdo e bem... meu pai? Ele não está aqui para contar a história. E a única coisa que ele fez de útil pra mim a minha vida inteira, foi talvez, ter me dado o seu sobrenome.
Tiro a minha blusa nojenta do pijama e jogo no cesto de roupa suja, respirando fundo, indo para o próximo passo que é tirar a faixa que envolve meus intrusos. Sinto um nó em minha garganta, como se uma bola de tênis tivesse enfiada nela e contenho o choro. Hoje foi um bom dia, hoje eu fiz uma amiga, eu vi Camila e apesar de ter me sujado todo de lixo na frente da garota mais bonita do mundo, a escola nova não está tão ruim assim afinal ninguém sabe que eu sou um garoto trans e eu fui chamado de CARA hoje mais cedo, por isso, eu não quero me permitir chorar. Eu posso fazer isso. Posso tomar um banho sem chorar. EU SEI QUE CONSIGO. INFERNO.
Sentindo meus braços tremendo, retiro a bermuda do homem-aranha e faço uma careta de nojo ao ver minhas partes íntimas. De forma rápida, entro no box e ao ligar a água quente, a sensação ruim se esvai um pouco. Não por completo, mas o suficiente para sentir meus músculos começando a relaxar.
Não me lembro da última vez que tomar banho foi algo tranquilo, algo que qualquer pessoa normal adora fazer. Depois de começar a tomar as injeções de testosterona, a coisa ficou um pouco melhor porque parei de menstruar, mas ainda assim é horrível não enxergar a mim mesmo no espelho. Estou no corpo errado, só posso estar.
Acho que, apesar de odiar minhas partes íntimas, o meu peito é o que mais me causa desconforto. Não são tão grandes quanto os de minha irmã, mas são o suficiente para me deixar louco. Eu os odeio e estou juntando cada centavo que vejo pela frente para poder pagar a cirurgia de mastectomia porque eu sei que eu não tenho nenhuma coragem de pedir um dólar a minha mãe além do que ela já gasta comigo. Desde que éramos uma família de três irmãos e sem uma figura paterna, minha mãe teve que se desdobrar em cinco para conseguir sustentar a gente. Sempre a vi trabalhando em dois, até três empregos, e as coisas só se acalmaram quando Chris conseguiu uma bolsa integral na faculdade. E bom, pelo menos era uma preocupação a menos para minha mãe.
Pego o shampoo e condicionador para cuidar da única parte do meu corpo que eu gosto que é o meu cabelo. Desde quando contei a minha mãe sobre ser um garoto, a primeira coisa que ela fez foi me levar na barbearia, sim na BARBEARIA!!! e apesar de todos os barbeiros terem me olhado torto, sai do lugar me sentindo um pouco mais bonito. Cabelos curtos, ajustados num topete e raspados de lado, parecendo um mocinho de filme de super-herói (quase).
Termino o banho mais rápido que posso, me ensaboando em todos os lugares possíveis, fechando os olhos e fazendo caretas quando passo por certas partes e certas curvas do meu corpo e ao julgar que estou limpo, saio do banheiro, me colocando em um novo pijama. Sei que devo pelo menos relaxar um pouco e tirar a faixa por hoje, porque já estou sentindo meus seios doloridos, mas insisto em ficar com ela mais um pouco e tirar apenas quando já estiver deitado na cama e pronto para dormir.
Depois do banho, Taylor já tinha terminado de jantar e minha mãe estava me esperando para comer um segundo prato.
— Desculpe a demora — pedi — eu fui jogar o lixo e a sacola explodiu. Nojento.
— Que demora, Lawrence? — minha mãe ergue a sobrancelha enquanto se serve de macarrão — seus banhos são rápidos. Até me pergunto se não se esqueceu de lavar nada...
— Mãe! — sinto minhas bochechas ficarem vermelhas — pelo amor de Deus, eu não tenho mais cinco anos.
— Você sempre vai ser meu bebê...meu menino.
— Ughh — faço uma careta enquanto me sirvo, mas sei que adoro quando ela fala assim comigo. Será que tem algum momento da vida que a gente fica velho demais para receber carinho de mãe?! Porque se tiver, não quero que esse dia chegue.
Me sento à mesa e como devagar, alternando entre um gole de suco e outro. Minha mãe faz o mesmo e não demora muito até ela tentar puxar assunto.
— Então... — ela me olha com olhos de águia e mordo a parte interna das minhas bochechas — conheceu alguma gatinha no primeiro dia de aula? Ou gatinho.
Engasgo com um pedaço da almôndega.
— MÃE! — falo num grito. — Ninguém mais fala assim!
— Conheceu, não é? — Ela quase se levanta na mesa de empolgação e vejo que se controlou para não bater palmas.
— Bem... — murmuro — conheci duas garotas.
Minha mãe abre um sorriso enorme.
— Duas, já? Meu filho é um paquerador!
— Mãe... — me encolho na cadeira — não é bem assim!
— Então é como? — ela me pergunta — me diga.
— Bem, tem Camila... — não evito o sorriso e minha mãe está a pouco de pular de alegria — mas não vai rolar nada, nem amizade com ela porque a garota é a abelha rainha de Coral Bay e eu não quero ter que conviver com o tipo de gente que ela anda.
— Então como você conheceu a Abelha Rainha de Coral Bay? — minha mãe pergunta com a sobrancelha erguida — não foi por vontade sua, imagino.
Minhas bochechas ficam vermelhas de novo.
— Trombei com ela no corredor.
Minha mãe ri e escuto Taylor gargalhando da sala. Não moramos numa mansão, então ela com certeza está ouvindo a conversa.
— E a outra garota? — minha mãe pergunta curiosa.
— Então... sobre isso — batuco o talher no prato, nervoso — ela se chama Ally e está vindo aqui amanhã depois da escola.
— Meu Deus! — agora minha mãe está mesmo prestes a chorar — meu bebê vai trazer uma amiga em casa... TAYLOR! OUVIU ISSO? Seu irmão vai trazer uma amiga! Ela vai dormir no quarto da sua irmã, porque você sabe, meninos e meninas separados aqui nessa casa e...
— MÃE! — a faço parar de falar gritando — Ally não vai dormir aqui. A gente só vem passar um tempo depois da escola na sexta-feira e depois vamos para o primeiro jogo de futebol do ano, não é nada demais...
Mas quem disse que sou capaz de convencê-la de que não é nada demais? Se ela está surtando por trazer uma amiga aqui em casa, imagino no dia que apresentar uma namorada ou namorado.
Acho que Clara Morgado é capaz de explodir como a sacola de lixo.

VOCÊ ESTÁ LENDO
Lawrence
FanfictionLawrence Jauregui está começando uma nova vida. O último ano do ensino médio está prestes a começar e agora que ele finalmente deixou seu nome morto para trás e tem a aceitação completa de sua mãe e de seus irmãos, ele conhece Camila Cabello, a líde...