Super-heróis

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Na parede do meu quarto tem um poster velho e surrado do SuperMan protagonizado por George Reeves. Ao lado dele, o homem-aranha me encara como se estivesse me julgando. Qual é Peter Parker, me dê um desconto, sim? Estou deitado na cama, de barriga pra cima, ouvindo o que seria um cover horrível de The Pussycat Dolls enquanto rabisco algumas coisas no meu diário. O que é uma tarefa difícil porque estou deitado ao invés de sentado em minha escrivaninha. Mas é isso o que temos pra hoje e estou tentando repassar os últimos dois dias de aula.

1) Conheci a garota mais bonita de Miami inteira quiçá dos Estados Unidos todo. Ela atende por Camila e é capitã das líderes de torcida.

2) Conheci o namorado dela, para o meu desgosto. Austin colocou o braço nojento e suado no meu ombro na hora de intervalo, virando pra mim e falando "e aí, cara, é novo aqui, né?" Contive a vontade absurda que senti de vomitar e segui meu destino, a biblioteca. Eu nem tive tempo de surtar por ter sido chamado de cara pela primeira vez em toda minha vida. Tipo, ele NEM me conhece. E eu SOU UM GAROTO, é claro que eu sou e é por isso que os outros me chamam de CARA quando me conhecem. JESUS AMADO! EU SOU UM CARA. E não é como se minha mãe me chamasse assim. Ela opta por me chamar de filho ou Lawrence.

E logo chegando na biblioteca conheci outra garota, não tão bonita quanto Camila, mas ela parecia muito chateada quando perguntei se podia sentar ao seu lado. Claro que, bem na hora do intervalo, havia outras mesas vazias, mas pensei que eu poderia começar com o pé direito, fazendo uma amizade. Por isso, solto logo de uma vez:

— Oi, meu nome é Lawrence.

A garota de cabelos castanhos claros sorriu pra mim.

— Sou Ally, Lawrence. — ela pausou por um minuto e pareceu estar pensando no que dizer — primeiro dia difícil, não é?

— É — arranhei a garganta — porque está aqui?

Ally suspirou, ressentida.

— Os outros me zoam demais, eu acho que só quero paz hoje.

— Porquê? — A curiosidade matou o gato e se tem alguma coisa que eu sou além de desastrado, essa coisa é curioso. Minha mãe costuma dizer que isso ainda vai ser um problema pra mim.

— Eles me pegaram lendo a Bíblia ano passado — Vejo-a mordendo os lábios e penso em repreendê-la por esse péssimo ato, mas apenas escuto — desde então sou chamada de todos os nomes possíveis. Cheguei hoje atrasada e tinha HOMOFÓBICA DO ANO escrito no meu armário. E tipo, é horrível porque o ano nem sequer começou.

Lembro que engoli em seco com medo da onde essa conversa estava indo.

— Você é? — perguntei porque precisava garantir e descobrir se não estava pisando em um campo minado — homofóbica?

— Não — ela respondeu com pressa — claro que não. Eu... Eu só sou Cristã, tá legal? E Jesus nos disse para amar o próximo como a ti mesmo e se o próximo for Gay, Bi, Trans ou o que for, vou amá-lo. É só...

Ela estava começando a se embolar nas próprias palavras e fiquei com pena.

— Está tudo bem — sussurrei — e acho que não é um começo de ano tão ruim assim.

— Não? — ela perguntou confusa — estamos sozinhos na biblioteca no horário de almoço. E vamos sentir fome mais tarde...

— Não. — respondi sorrindo — é só o primeiro dia de aula e já fiz uma amiga, como pode ser ruim?

Ally me deu um sorriso brilhante e agora, sentado em minha cama analisando o começo do dia, fico me perguntando se devo mandar uma mensagem ou não. Sei que Ally disse que não tinha problema com pessoas LGBTQIAP+, mas e se ela tiver? E se no fundo for igual a todos os outros crentes que dizem que nos amam, mas depois são passivos-agressivos, jogando jargões pra gente de como "vamos arder no fogo do inferno?". Não sei se tenho estômago para lidar com isso, não depois do que aconteceu na minha última escola.

Enquanto fico divagando sobre as possibilidades de ter minha amizade rejeitada por uma garota que acabei de conhecer, não me surpreendo quando meu telefone toca com uma mensagem.

"Ei, Lawrence é Ally"

"Ally!" respondo de volta "estava aqui divagando se mandava ou não mensagem..."

"Eu também estava igual" Ally mandou um emoji de coração em seguida "Hey, vai ter o primeiro jogo do ano de futebol amanhã a noite, que ir comigo?"

Futebol deveria ser a minha praia, mas eu poderia socializar um pouco, certo? Certo. Ter uma amiga para passar por mais de cem dias do ensino médio, não poderia ser tão ruim...

"Claro =)" e antes que eu pudesse pensar duas vezes, completo a mensagem "Quer vir aqui em casa depois da aula? Aí vamos juntos pro jogo"

Minha mãe surtaria com isso. Não consigo me lembrar de já ter trazido algum amigo ou amiga para passar um tempo em casa.

"Eu ia adorar! Até amanhã, Lawrence"

E outro emoji de coração.

Não muito tempo depois disso, escuto uma batida na porta do meu quarto.

— Lawrence! — É minha mãe gritando — vá tirar o lixo e depois jantar. A comida já está na mesa.

— JÁ VOU! — grito pra ela do quarto.

— SEM GRITAR! — ela grita de volta e eu não seguro um riso.

Não demoro a obedecer minha mãe e as coisas fogem do controle assim que coloco os pés para fora de casa.

Estou com um shortinho do homem-aranha, uma camiseta do Batman e um saco de lixo do tamanho do mundo em minha mão direita quando eu tomo um susto e quase tropeço de novo.

— Você gosta muito de cair, não é? — olho para cima e a vejo com um sorriso torto no rosto — a lata de lixo está bem ali!

Camila aponta na direção da qual preciso ir e forço minhas pernas a funcionarem. Olho de relance e vejo que ela está usando uma roupa normal de ficar em casa ao invés do uniforme de líderes de torcida que eu a vi usando hoje cedo na escola. Ela parece ainda mais bonita assim.

— O que você está fazendo aqui?! — não quero ser rude, mas não posso deixar de estranhar e fico ainda mais confuso quando a vejo rir. — Está me perseguindo?

— Você não é tão importante assim pra ter um stalker — ouch, essa doeu e devo ter deixado transparecer porque ela faz uma careta — Desculpe... A frase era menos estranha na minha cabeça... As vezes faço isso sabe, penso em dizer uma coisa e não parece tão ruim, mas quando falo em voz alta percebo que foi besteira.

Estou segurando o saco de lixo com força porque a sacola plástica está prestes a estourar.

— Eu também.. faço isso — murmuro — mas sério, o que você tá fazendo aqui?

Ela aponta para a casa amarela do lado da minha e ergo a sobrancelha, confuso. Sei que é um casal de idosos que mora ali.

— Estou passando um tempo na casa dos meus avós. Cheguei hoje e vim aqui fora tomar um ar quando esbarrei em você.

Ah, isso explica muita coisa. E também explica por que não encontrei com ela antes.

— Ah.. É — tento pensar no que mais dizer, mas minha mente parece ter ficado em branco. E como sempre, o destino apronta pra mim: a sacola de lixo escapa da minha mão e explode. Quero abrir um buraco no chão e me enterrar nele porque agora há lixo por todos os lados e Camila está segurando a vontade de rir.

Alguém para o mundo que eu quero descer, por favor.

LawrenceOnde histórias criam vida. Descubra agora