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Alice ficou ali, parada, sentindo o vazio preencher o espaço que Luísa deixara. Ela não sabia como iria continuar depois daquela conversa. O alívio estava lá, mas ainda era impossível não sentir a dor, o medo do futuro e a sombra das lembranças que nunca pareciam se apagar. O peso da perda dos pais ainda se fazia presente em sua vida, e agora, a dor de ter revelado seu segredo mais obscuro parecia quase sufocante.

Luísa, do lado de fora, sentia um nó no peito, uma sensação estranha que não conseguia entender. As palavras de Alice ainda martelavam em sua cabeça, mas ela tentava afastá-las. "Ela vai ficar bem", pensava. "Ela vai superar isso. Agora que ela falou, vai começar a cicatrizar." Mas algo dentro dela a fazia sentir que ainda havia mais, que as palavras não haviam sido suficientes para expurgar o que estava ali dentro de Alice. Ela não sabia o que exatamente era, mas não poderia ignorar aquele pressentimento. Ainda assim, tentou afastar o medo e se concentrou em dirigir para casa.

O céu estava nublado, e a cidade parecia mais silenciosa do que nunca. Luísa dirigiu pelas ruas, o som suave da música no rádio tentando suavizar a tensão que tomava conta dela. Ela pensava em Alice, pensava na dor que a amiga carregava, mas, ao mesmo tempo, sentia-se feliz por ter conseguido fazer com que ela se abrisse. "Vai ficar tudo bem", repetia para si mesma.

Mas algo estava errado. A estrada estava mais escorregadia, a noite mais densa, e Luísa começou a sentir um desconforto crescente. Era como se uma força invisível estivesse puxando para o abismo, para algo que ela não queria nem pensar. Ela apertou o volante com mais força, mas o medo começou a tomar conta de seus pensamentos. "Eu só quero chegar em casa", ela pensava, mas sua mente estava acelerada demais para se concentrar.

Então, na curva de uma rua escura e vazia, quando ela tentou diminuir a velocidade, o carro deslizou. Foi um segundo. Só um segundo. Mas parecia uma eternidade. O carro perdeu o controle, e Luísa tentou, em vão, recuperar a direção. Não havia tempo para reagir. O veículo capotou violentamente, virando várias vezes antes de parar de forma brusca, com a parte da frente esmagada contra uma árvore.

O mundo de Luísa desapareceu naquele momento. O som do impacto foi ensurdecedor, e ela sentiu a dor atravessar seu corpo, mas não teve tempo de gritar, nem de pensar. O único som que restou foi o silêncio absoluto, uma escuridão que consumia tudo ao redor.

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Alice estava ainda em seu apartamento, tentando processar tudo o que havia acabado de compartilhar com Luísa. Ela estava sentada no sofá, os olhos fixos na janela, olhando a chuva que começava a cair lá fora, como se estivesse tentando absorver algo do que a natureza tinha a lhe oferecer. Ela sentia o peso do que acabara de dizer. O alívio estava lá, mas também havia uma sensação de vazio profundo. As palavras que finalmente saíram de sua boca não pareciam ter curado o que estava dentro de sua alma, e ela se perguntava se um dia isso passaria.

Seu celular vibrou na mesa. Ela olhou para a tela, reconheceu o número, mas não atendeu imediatamente. Era Carlos, o namorado de Luísa. Ela hesitou por um momento, mas sentiu uma leve pressão para atender. Algo dentro dela dizia que deveria fazer isso. Quando o celular estava prestes a vibrar novamente, ela decidiu atender.

"Alice... é a Fernanda ... Mãe da Luísa... Eu... eu não sei como dizer isso, mas a Luísa... ela sofreu um acidente... ela não... ela não resistiu."

O chão desapareceu sob seus pés. Alice mal conseguia compreender as palavras que escutava. O som da voz de Carlos parecia vir de muito longe, como se estivesse falando de um mundo que não era mais o dela. "Não... não pode ser...", ela murmurou, mas Carlos continuava a falar, tentando encontrar palavras para explicar o impossível.

"Ela... Ela capotou, Alice. Não sei o que aconteceu, mas... ela não conseguiu sobreviver. Está tudo tão confuso aqui, não sabemos o que fazer... Sinto muito, Alice."

As palavras continuaram a ecoar na mente de Alice, mas nada fazia sentido. Tudo ao seu redor parecia ter parado. Seu corpo estava em choque, sua mente incapaz de aceitar aquilo. Como poderia ser possível? Luísa, a amiga que sempre estivera lá para ela, a pessoa que agora, com tantas palavras não ditas, havia tentado fazer com que ela se abrisse, não estava mais ali?

Ela se deixou cair no chão, sentindo a dor tomar conta de seu corpo. Não havia mais ar nos seus pulmões, nada mais fazia sentido. A dor de perder os pais era difícil, mas perder Luísa era uma dor diferente. Era o fim de uma amizade que ela pensava que duraria para sempre, o fim de alguém que a havia ajudado a encontrar coragem onde não existia nenhuma. E agora, ela estava sozinha. De novo.

O celular caiu da mão de Alice, e ela ficou ali, no chão, o rosto escondido nas mãos, as lágrimas escorrendo sem parar. A chuva lá fora, que parecia tão reconfortante antes, agora só a fazia se sentir mais perdida e vulnerável. O som da água batendo nas janelas misturava-se com o choro de Alice, um choro que ela nunca soubera que seria capaz de soltar.

A vida parecia ter tirado dela as pessoas mais importantes, uma a uma. E, agora, diante dessa perda, ela não sabia o que restava de si mesma. Como seguir sem Luísa, sem aquela presença firme que sempre soubera o que dizer, o que fazer?

E, no meio de sua dor, Alice se perguntou se alguma vez ela realmente conseguiria se recuperar.

me ensina a amarOnde histórias criam vida. Descubra agora