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O som da chuva ainda batia contra as janelas, mas para Alice, o que ecoava mais alto era o vazio. O grito interno que ela não podia mais reprimir. A dor de perder Luísa havia rasgado algo profundo dentro de si, deixando um buraco que parecia impossível de preencher. Ela estava sozinha novamente. A perda de seus pais tinha sido uma dor insuportável, mas o que sentia agora era diferente, era como se o chão tivesse sido arrancado debaixo dos seus pés e ela estivesse caída em um abismo sem fim.

Ela ainda estava no chão, as mãos pressionadas contra o rosto, tentando controlar o choro que não parava de sair. A voz de Carlos ecoava em sua mente, mas as palavras se misturavam com o som da tempestade lá fora. "Luísa não resistiu..." Como poderia isso ser real? Como poderia Luísa, a amiga que tinha sido seu porto seguro, a única pessoa que a entendia, ter sido arrancada tão repentinamente de sua vida?

O mundo parecia estar desabando ao seu redor. Ela não sabia mais como lidar com essa dor. Cada perda parecia ser mais difícil que a anterior, mais impossível de superar. E, ao mesmo tempo, a sensação de culpa tomava conta de cada pedaço do seu ser. Será que poderia ter feito algo mais por Luísa? Será que se tivesse sido mais aberta, mais presente, talvez a amiga não tivesse partido? Essas perguntas ecoavam, sem respostas.

Alice tentou se levantar, mas suas pernas estavam fracas, como se o peso da perda fosse demais para ela carregar. Caminhou até a janela, os olhos ainda borrados pelas lágrimas, e olhou para a rua, para a escuridão lá fora. A chuva caía com mais força, como se o mundo estivesse chorando junto com ela. "Por que a vida sempre tira o que há de mais importante?" Alice pensou, seu olhar perdido no vazio da noite.

Ela se afastou da janela, caindo novamente no sofá, sem saber o que fazer com todo aquele sofrimento. A lembrança de Luísa, de suas palavras, de seus gestos carinhosos, tudo parecia tão distante agora, como se fosse um sonho que ela não conseguiria alcançar. E, naquele momento, ela entendeu que o peso da perda não estava só na ausência física da pessoa, mas na perda do futuro compartilhado. Tudo o que haviam planejado, todas as conversas não terminadas, todos os abraços não dados, tudo isso havia sido interrompido de forma cruel e repentina.

Alice olhou para o celular, agora vazio de mensagens e chamadas. A tela escura refletia seu rosto cansado e desesperado. Ela não sabia mais como continuar, como respirar, como seguir. Cada passo parecia pesado demais, cada movimento, uma luta. A dor de perder Luísa era ainda mais profunda por ela ter se permitido, por um breve momento, acreditar que poderia se curar, que poderia abrir seu coração para as pessoas ao seu redor. Mas, agora, com Luísa partida, ela não sabia se conseguiria confiar novamente. A confiança parecia algo frágil demais, algo que não podia mais ser dado. O medo de perder mais uma vez se tornava insuportável.

O telefone tocou de novo. Alice hesitou. Não queria atender, não queria ouvir mais nada. Mas algo dentro dela a impulsionou a pegar o celular. Era Gabriel. O nome dele na tela fazia seu coração bater mais rápido, mas, ao mesmo tempo, ela sentia uma repulsa inexplicável. Como poderia falar com ele agora, depois de tudo o que havia acontecido?

Ela atendeu a chamada.

"Alice, eu... eu ouvi sobre Luísa. Eu sinto tanto, tanto mesmo..."

A voz de Gabriel era baixa, cheia de preocupação e dor. Alice sentiu uma pontada no peito. Ele estava ali, preocupado com ela, mas o que ela poderia dizer? Não queria falar sobre isso. Não queria falar sobre a dor. Não queria falar sobre o vazio. Ela só queria que tudo fosse diferente, que nada disso estivesse acontecendo.

"Eu não sei como seguir, Gabriel..." foi tudo o que ela conseguiu dizer, a voz falhando, a respiração acelerada.

Gabriel suspirou do outro lado da linha, sentindo a angústia de Alice. "Eu sei que nada vai fazer sentido agora, mas... você não está sozinha, Alice. Eu sei que parece impossível, mas você não precisa enfrentar tudo isso sozinha. Eu vou estar aqui para você e eu sinto muito mesmo."

Alice ficou em silêncio por alguns segundos, a respiração pesada, o peito apertado. Ela sentia um vazio imenso, uma dor profunda que parecia não ter fim. Gabriel estava ali, oferecendo palavras de consolo, tentando suavizar a dor dela com promessas de estar presente. Mas tudo o que ela conseguia sentir era a distância que o separava da realidade dela.

Ela não queria mais ouvir aquelas palavras vazias de conforto. Não naquele momento. Não depois de tudo o que tinha vivido. Era como se ele não entendesse, como se não pudesse sentir a dor que a consumia, a dor que não tinha cura.

"Sente? Sente o quê, Gabriel?" Alice disparou, a voz tremendo de raiva e frustração. "Você não sente nada! Como pode falar sobre dor se você nunca perdeu alguém assim? Como pode dizer que sabe o que é perder tudo e todos, como eu perdi? Você não sabe o que é ficar sozinho, sem ninguém, em um mundo onde a dor é a única coisa real!" Ela soltou um grito baixo, mas cheio de intensidade. A raiva a dominava, e ela não conseguia mais conter as palavras que saíam como um furacão.

Gabriel ficou em silêncio do outro lado da linha. Ele sabia que não poderia compreender a profundidade da dor de Alice, mas, mesmo assim, sentiu a reprovação nas palavras dela. Ele tentou entender, tentou se colocar no lugar dela, mas, no fundo, sabia que jamais poderia sentir o que ela estava sentindo. Ele queria, mais do que tudo, poder aliviar aquela dor, ser a pessoa que a ajudaria a superar a perda, mas agora, naquele momento, ele se sentia impotente.

Alice, por sua vez, não podia mais se conter. A dor de Luísa ainda a queimava, e a raiva de não poder fazer nada para mudar a situação transbordava. Ela se sentiu fraca, vazia, e as palavras de Gabriel pareciam um lembrete doloroso de que, no fundo, ela ainda estava sozinha. Ele poderia estar ali, na linha, oferecendo palavras de apoio, mas ele não sabia o que era viver com uma dor que não passava, que não tinha fim.

"Você não pode me salvar, Gabriel", ela murmurou, a voz quebrando. "Eu não quero que você tente me consertar. Eu só... eu só queria que tudo fosse diferente. Que eu tivesse tempo. Que Luísa tivesse tempo."

Havia uma verdade crua e dolorosa naquelas palavras. Alice sabia que não havia nada que pudesse mudar, que a dor era algo que ela teria que carregar sozinha. Mas, ao mesmo tempo, o medo de perder mais uma pessoa, o medo de confiar novamente, a deixava paralisada.

"Eu sei que não posso te salvar, Alice. Eu só quero estar aqui para você, do jeito que você precisar", disse Gabriel, a voz baixa e sincera. "Não é sobre consertar, é sobre te dar a força para seguir, mesmo que seja difícil."

Alice respirou fundo, sentindo uma mistura de emoções conflitantes. Ela queria acreditar nas palavras de Gabriel, queria se permitir confiar nele, mas, ao mesmo tempo, tinha medo de que ele fosse mais uma pessoa que iria deixá-la para trás. Ela se sentiu como se estivesse à beira de um abismo, sem saber se deveria saltar ou recuar.

"Eu não sei como fazer isso, Gabriel. Eu não sei como seguir", ela disse, a dor em sua voz mais evidente do que nunca. "Eu só... só queria não ter que lidar com isso sozinha."

Havia uma vulnerabilidade naquelas palavras que Alice não queria admitir, mas que, naquele momento, parecia ser a única verdade que ela poderia compartilhar. Ela estava cansada de lutar sozinha, cansada de carregar o peso da dor sem ninguém para dividir. Talvez, só talvez, ela pudesse permitir que Gabriel fizesse parte de sua recuperação, ainda que com medo.

"Você não está sozinha, Alice. E eu sei que não posso tirar a dor, mas posso estar ao seu lado, em cada passo, mesmo quando for difícil", respondeu Gabriel, com firmeza. "Eu vou esperar o tempo que você precisar. Não importa quanto tempo seja."

Alice fechou os olhos por um momento, tentando se acalmar. Ela sabia que não poderia esperar que Gabriel resolvesse tudo, mas as palavras dele, simples e gentis, tinham algo que tocava seu coração. Talvez, só talvez, ela pudesse começar a confiar novamente. Talvez, com o tempo, a dor se tornasse mais fácil de carregar, mesmo que não desaparecesse completamente.

"Eu não sei se vou conseguir, Gabriel. Mas... eu vou tentar", Alice sussurrou, como se fosse uma promessa a si mesma. Ela não sabia o que o futuro reservava, mas sabia que precisava seguir em frente, um passo de cada vez.

"Eu estarei aqui. Sempre."

A ligação terminou, e Alice ficou ali, sozinha com seus pensamentos, "a Luísa também disse isso" mas de alguma forma, um pouco menos sozinha do que antes. Ela sabia que a dor não desapareceria de imediato, mas, talvez, com a paciência e o apoio de Gabriel, ela pudesse encontrar um caminho para reconstruir o que foi perdido. O peso da ausência ainda estava presente, mas, por um breve momento, ela sentiu uma pequena luz se acender no meio da escuridão.

Talvez, com o tempo, ela fosse capaz de sentir novamente.

me ensina a amarOnde histórias criam vida. Descubra agora