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Naquela noite, Alice ficou deitada no chão frio do quarto, sem forças para se levantar. O teto parecia um enorme vazio que a engolia lentamente. Ela se sentia presa em uma espécie de limbo, uma terra de ninguém entre o passado que já não existia e o futuro que ela não conseguia mais imaginar. Era como se sua vida tivesse parado, congelada naquele instante em que Luísa se foi. E, sem ela, tudo parecia sem sentido.

As lembranças dos momentos com a amiga vinham em flashes dolorosos. Os sorrisos, as conversas intermináveis, os sonhos que tinham compartilhado. Agora, cada lembrança era como uma lâmina cortante, uma prova irrefutável de que nada daquilo voltaria. Alice queria gritar, queria que de alguma forma o universo entendesse o quanto aquela perda a tinha devastado. Mas sua voz estava fraca demais, como se até isso tivesse se perdido no vazio.

Na tentativa de encontrar algum consolo, ela pegou uma velha foto das duas, amassada e desbotada, que guardava na gaveta. Olhou para o rosto sorridente de Luísa e sentiu uma raiva crescer dentro de si. Raiva por Luísa ter partido, raiva por ter sido deixada sozinha. “Por que você me deixou?” sussurrou, a voz quebrada. "Como você pôde ir embora e me deixar aqui com tudo isso?"

Alice sabia que era irracional culpar Luísa. Mas a dor era tão imensa que ela precisava encontrar um alvo, uma razão, algo a que se agarrar para justificar seu sofrimento. Mesmo que não houvesse justificativa. Ela estava sozinha agora, e não importava o quanto gritasse, chorasse ou tentasse encontrar algum sentido, o vazio continuava lá, implacável.

Por um momento, pensou que talvez fosse mais fácil simplesmente desistir. Render-se ao cansaço, à dor, deixar-se consumir por essa escuridão que parecia tão permanente. Mas, ao mesmo tempo, uma pequena parte dela, quase imperceptível, ainda resistia. Era uma chama minúscula, que ela não conseguia apagar, mas que também não sabia como manter acesa.

Ela não sabia como ou por que, mas aquela fagulha persistia, mesmo que não lhe desse esperança. Talvez fosse o que a impedia de afundar completamente, mas, naquele instante, ela ainda não conseguia ver nenhum valor naquilo. Tudo o que queria era que a dor fosse embora, que a lembrança de Luísa parasse de machucá-la.

E, assim, com o rosto úmido de lágrimas silenciosas, Alice fechou os olhos, desejando que o sono a levasse para longe, para um lugar onde a dor e o vazio não pudessem alcançá-la, mas nem pra dormir sem remédio ela servia.

Alice permanecia ali, imóvel, sentada no chão frio do quarto, cercada apenas pelo vazio que Luísa deixara. Sua mente corria, as memórias vinham e iam em flashes torturantes, cada uma se tornando uma nova ferida. Era como se a dor estivesse enraizada dentro dela, crescendo a cada pensamento. Ela queria ter feito diferente. Ela precisava ter feito diferente. Agora, essas palavras ecoavam como um peso insuportável, um tormento.

“Por que eu não aproveitei mais meu tempo com ela?” Essa pergunta rodava em sua mente, incessante, como uma sentença. “Eu sabia que, a qualquer momento, isso poderia acontecer… então por que dei tanta atenção a coisas tão pequenas, enquanto a única pessoa que se importava comigo de verdade estava sofrendo? Como eu pude priorizar garotos, estudos, tudo menos o que realmente importava?”

Ela lembrava da última conversa que tiveram, da maneira impensada como respondeu a Luísa, como se aquilo fosse algo insignificante. "Deixa de ser preguiçosa, vê se levanta da cama mais cedo," dissera. Agora, essas palavras queimavam sua memória, como se cada sílaba fosse uma acusação. Alice sentia que havia falhado, que deixara Luísa partir sem ao menos demonstrar o quanto ela significava.

Por que as pessoas sempre vão, enquanto ela fica, assistindo todos irem embora, sem conseguir fazer nada para impedir? Essa era uma das maiores injustiças que sentia, uma dor amarga que parecia não ter fim. Ela queria lutar contra isso, mas o peso era tão grande que a fazia se sentir ancorada no chão, presa à própria culpa.

A lembrança de Luísa sorrindo, sempre pronta a ajudar, tornava tudo ainda pior. Luísa era quem a apoiava em cada queda, quem se importava quando ninguém mais parecia ver o que Alice enfrentava. E, ainda assim, quando Luísa precisou… Alice se deixara levar por um mundo de distrações.

A dor era uma presença constante, como uma sombra que nunca se afastava. Cada respiração era um esforço, e os pensamentos de Alice pareciam uma torrente incontrolável, como um rio que arrastava tudo o que tocava. Ela fechou os olhos com força, tentando afastar as memórias, tentando bloquear a enxurrada de sentimentos que a consumia. Mas tudo o que ela conseguia ver era o rosto de Luísa, o sorriso caloroso que ela nunca mais veria, as palavras que não teve tempo de dizer.

Ela sabia que o tempo não poderia voltar. Luísa já havia partido, e o mundo parecia ter perdido a cor sem ela. A cama ao lado, agora vazia, parecia gritar pelo toque da amiga, pelas conversas que nunca mais aconteceria, pelas risadas que, agora, só existiam em sua memória. O quarto estava mais escuro, o vazio mais profundo, e, no fundo, Alice sabia que tudo o que ela poderia fazer era enfrentar isso sozinha.

A lembrança da última noite em que estavam juntas parecia um pesadelo. Luísa, sempre tão presente, sempre tão cheia de vida, precisando de Alice da mesma forma que Alice sempre precisou dela. Mas Alice não soubera ouvir naquele momento. Tinha respondido a Luísa de forma ríspida, como se fosse algo trivial, como se a amizade, o apoio, tudo aquilo fosse garantido. E agora, não havia mais tempo para consertar aquilo. Não havia mais tempo para desculpas.

Ela sentiu um nó na garganta, uma sensação de impotência que a fazia se afundar ainda mais. O vazio não era só a ausência de Luísa, mas a falta de algo dentro de si mesma. Alice não sabia mais o que era importante, não sabia mais como viver sem alguém que tinha sido sua rocha, sua amiga, seu refúgio. Sua mente se encheu de uma dúvida aterradora: o que aconteceria quando as pessoas que ela amava fossem embora? Como ela sobreviveria a isso? Como continuaria a andar sem o apoio delas?

A raiva, antes tão forte, agora se transformava em desespero. Ela se odiava, odiava cada decisão que a levara até aquele ponto. O que ela poderia ter feito? Como teria sido diferente se ela tivesse agido de maneira diferente? Mas as perguntas, como sempre, não traziam respostas. Elas apenas intensificavam a dor, deixando-a mais pesada, mais sufocante.

E então, em meio a todo o caos, a mente de Alice encontrou um ponto de quietude. No fundo, uma parte dela sabia que não podia se perder completamente naquele mar de arrependimentos. Talvez, por mais difícil que fosse, ela tivesse que encontrar uma maneira de seguir em frente. Não porque fosse fácil, mas porque era a única coisa que restava. E havia uma parte dela, quase imperceptível, que se agarrava a essa ideia.

O que poderia ser mais difícil do que aceitar que Luísa se foi? Talvez fosse encontrar o caminho para se perdoar, para olhar para os próprios erros e falhas e, aos poucos, aprender a viver com isso. Não seria um processo rápido ou simples, mas talvez fosse a única forma de não deixar que a dor a engolisse completamente.

Enquanto o relógio marcava as horas, Alice permaneceu ali, imóvel, mas com uma leve sensação de algo diferente. Ela não sabia o que seria, mas era como se uma semente tivesse sido plantada. Era pequena, mas a ideia de que, um dia, ela poderia, talvez, encontrar uma maneira de seguir em frente estava lá. A dor não a deixava, mas, pela primeira vez, ela se deu conta de que talvez não precisasse ser uma pessoa inteira para seguir em frente. Talvez fosse o suficiente, por enquanto, ser alguém que ainda lutava para se reerguer.

E com isso, Alice permaneceu na quietude da noite, sem respostas, mas com um fio de esperança que, por mais tênue fosse, começava a tomar forma.

me ensina a amarOnde histórias criam vida. Descubra agora